É
bastante comum que nichos trotkistas acusem Stálin de ter deturpado
o marxismo; os que compram essa narrativa apostam na noção farsesca
dum Stálin nacionalista que teria deixado o aspecto mais fundamental
do marxismo, qual seja o internacionalismo – incorporado pelos
trotkistas, que seriam, por isso, os verdadeiros marxistas.
Apesar
da alegação ser usada como acusação pelos trotkistas, há
neo-stalinistas de linha QTP ou nacional bolcheviques russos que
tomam essa noção em sentido positivo como prova de que Stálin,
mais que marxista, teria sido um nacionalista russo. O debate não é
sem importância pois envolve duas estratégias:
1-
Limpar a barra do marxismo face às brutalidades cometidas por Josef
Stálin indicando que as crueldades do totalitarismo soviético foram
decorrentes dum desvio da proposta originária.
2-Preparar
os espíritos para um Nacionalismo de Esquerda que tende a ver a
questão nacional só sob ângulo econômico.
Sobre
o ponto 1 gostaríamos de deixar claro que não é o caso de
desconhecermos que a história se escreve com sangue: a própria
trajetória do povo eleito por Deus foi feita de modo a que povos
pagãos fossem vencidos e eliminados para dar lugar a uma forma
superior de organização social, política e religiosa. O problema
aqui é de finalidade e escala: a violência é legítima desde tenha
por fim o restabelecimento da ordem ou a elevação de povos a uma
ordem superior; depois ela só deve ser usada como último recurso e
de forma racional, contra aqueles que representam um risco a ordem.
Por ordem entendemos um conjunto de valores e princípios que
envolvem desde instituições avançadas de justiça e governo como
uma moral que coloque a pessoa humana no centro da organização
social e política e que tenha por eixo a idéia dum Ser Absoluto,
fonte dos princípios religiosos, filosóficos e éticos garantidores
duma civilização onde prevaleça o bem comum, a dignidade da pessoa
e uma ordenação que favoreça a perfectibilidade da personalidade
espiritual do homem, cujo fim último é Deus.
Ora,
o socialismo marxista nega a existência dum padrão objetivo de
justiça fazendo tudo decorrer do interesse de classe, preconizando
uma vingança da classe proletária contra a classe burguesa e uma
sua eliminação completa (em vez duma violência racional que
exigiria, apenas, a eliminação dos elementos burgueses mais atrozes
e prejudiciais ao bem comum) assim como o extermínio de quaisquer
segmentos sociais que não estejam a altura do novo modelo de
sociedade socialista preconizada, que reduz tudo a aspectos materiais
bloqueando o acesso do homem a seu fim último e o desenvolvimento
duma civilização que dê forma a instituições que reflitam a
transcendência da personalidade humana.
Logo,
a violência stalinista além de brutal e colossal – pois
responsável por cerca de 20 milhões de mortes por fuzilamento,
fome, deportação ou prisão em campos de trabalho forçado – foi
desordenada pois envolvia criar um sistema materialista onde o
espírito humano ficasse a mercê das forças econômicas por sua vez
sob a direção dum Estado Moloque, um verdadeiro moedor de carne
humana, e não pode ser justificada de forma nenhuma.
Sobre
o Ponto 2, primeiro cabe dizer que Está no Manifesto Comunista de
Marx na página 44 e seguintes que:
"O proletariado
vai usar seu predomínio político para retirar, aos poucos, todo o
capital da burguesia, para concentrar todos os instrumentos de
produção nas mãos do Estado – quer dizer, do proletariado
organizado como classe dominante".
Logo
não é possível dizer que "Marx não teorizou uma
coletivizacão via Estado" para alegar que Stálin, ao fazê-la
sob direção dele em vez de colocá-la sob auspício do
proletariado, desviou-se de Marx.
O
filósofo alemão pai do comunismo chamava os socialistas reformistas
de "utópicos" justamente por que não tinham uma teoria da
História, qual seja, o Materialismo Histórico que é a Base Teórica
do Marxismo. Logo havia teorização em Marx o que envolvia a
conceituação das etapas a serem seguidas de acordo com as leis da
dialética histórica. O que nunca houve foi descrição dessas
etapas pois isso envolvia aspectos concretos só passíveis de serem
estabelecidas no processo da práxis revolucionária. E por que
dizemos isso? Justamente por que há quem alegue que Stálin teria
ossificado o marxismo dentro dum modelo teórico fechado como se o
Marxismo fosse pura práxis sem teoria. Isto é falso.
No
tocante ao Nacionalismo de Stálin cabe lembrar que ele, em 1913,
escreveu um artigo cujo título é “marxismo e o problema nacional”
onde enfoca a questão sob o seguinte prisma:
1-
As nações são realidades históricas mutáveis dotadas duma
língua, psicologia, mas que são resultado das condições materiais
de produção. Em suma: a idéia dum espírito nacional, da essência
dum povo inexiste na concepção de Stálin.
2-
Há nações postergadas que lutam contra as classes dominantes das
nações poderosas e, neste sentido, é preciso apoiar o movimento
nacional pois, neste caso, ele vira instrumento da revolução
proletária. Por esta razão Marx apoiou as pretensões de
independência nacional da Polônia Russa. Disto se depreende que a
questão nacional, para Stálin e os marxistas em geral, pode ser
incorporada desde que em relação com as condições históricas,
enfocadas no seu desenvolvimento. Aqui se trata, portanto, dum
nacionalismo puramente como meio e não como fim.
A
Guerra Patriótica de Stálin prova o que dissemos acima pois ela
assumiu caráter de luta pela libertação da humanidade do
Imperialismo, forma superior do Capitalismo no dizer de Lênin. Todo
o processo de descolonização Afro-Asiática pós segunda guerra
mundial seria inexplicável sem o apoio soviético, que era
fundamentada numa dialética de embate dos povos conquistados (as
nações postergadas) x imperialismo capitalista.
Ainda:
se Stálin ossificou o marxismo em formas dogmáticas como ele
conseguiu ressignificar o patriotismo, que era qualificado, em linhas
gerais, como mistificação burguesa por Marx, no bojo da práxis
revolucionária soviética? Se o marxismo não é dogmático então a
questão da pátria pode ser ressignificada no processo dialético da
revolução. Foi o que Stálin fez. No processo da práxis
revolucionária assumiu a luta patriótica como etapa da luta pela
libertação da humanidade em direção ao comunismo.
Logo
ou o marxismo é só teoria sem práxis e Stálin deixou de ser um
marxista ao assumir o conceito de Patriótico, ou ele é práxis e
teoria e, Stálin, ao assumir tal conceito, transformando
dialeticamente a práxis da revolução, foi fiel ao Marxismo
enquanto Trotski não por ter se fixado numa forma teórica.
Ainda
há que se diga que Stálin, no plano da organização estatal, fez o
que Marx teorizou: Coletivizacão dos meios de produção. Marx já
no Manifesto falava duma elite intelectual que iria liderar o
Operariado com base nas leis do Materialismo Histórico o que nos
leva até a Ditadura do Proletariado de Lênin. A leitura de Rosa
Luxemburgo e dos críticos de Stalin é um atentado ao que Marx
realmente defendeu. O "Nacionalismo" de Stalin era uma mera
cola para juntar aquelas repúblicas todas, é a revisão da teoria à
luz da práxis da revolução de modo que Trotski estava certo no
plano teórico mas não no prático. Trotski era um fanático do
internacionalismo, imaginando que só a revolução permanente daria
base para a existência da URSS.
Em
suma: Stálin reviu a teoria a luz da práxis. Nesse sentido ele foi
mais fiel a Marx pois entendia o primado da práxis face a teoria,
enquanto Trotski dava primazia a teoria ante a práxis.
Dito
isto, podemos concluir duas coisas:
1-
Stálin não deturpou o marxismo tendo sido, antes de tudo, mais fiel
a inteireza do pensamento de Marx do que Trotski;
2-
Ele não foi nacionalista a rigor mas se valeu do sentimento nacional
russo – deformado e degenerado na forma de bolchevismo - apenas
como ferramenta para espalhar a revolução;
3-
Tendo sido Stálin o mais fiel dos marxistas, seu regime pode e deve
ser caracterizado como inteiramente marxiano e os crimes dele como
decorrência direta do Manifesto Comunista e não como um desvio.