quinta-feira, 21 de maio de 2020

O Nacionalismo, a Religião e o Catolicismo: esclarecendo um mal entendido.

Roman Dmowski | Na historycznej wokandzie - NINATEKA
Roman Dmowisk, líder do nacional-catolicismo polonês


Faz-se mister esclarecer um velho mal entendido, em boa parte fruto dalguns polemistas católicos que acostumaram o público a considerar a “onda nacional” como uma heresia política e a admitir, no máximo, na seara católica, o patriotismo ( uma versão amena do nacionalismo como se esta fosse, sempre, uma absolutização da nação colocada no lugar de Deus ). A confusão foi criada, em certo aspecto, pela ignorância dos tais polemistas em relação a história e, em outro, pela tentativa deliberada de impor conceitos doutrinais a todo e qualquer regime que exibisse o nome de “nacional”, sem pesar fatos e fazer distinções no seio dos amplos espectros deste fenômeno, esquecidos da definição que Rene Remond dá ao mesmo enquanto realidade aberta a uma gama de conteúdos na medida em que este oscilava, durante o século 19 entre aspirações liberais e, logo, revolucionárias, e aspirações tradicionais, portanto reacionárias, a depender do terreno em que se manifestassem.

A primeira onda nacional surge do apelo jacobino à nação francesa contra o poder régio e contra o “complô dos aristocratas”: é o soberanismo popular. A convenção nacional de Robespierre exalta o povo em armas em prol da República. Nação, neste caso, é um conceito meramente útil: é “o coletivo do terceiro estado” contra os aristocratas não só franceses mas do mundo inteiro. A França, pátria da liberdade, não tem por fito estender suas fronteiras mas a da liberdade tomada como um absoluto; o princípio primeiro do Jacobinismo não é a Pátria nas suas tradições mas a liberdade do povo, símbolo da liberdade da humanidade. O horizonte jacobino é, sumamente, humanitarista. Prova de que a nação não tem nenhum conteúdo fixo de tradições na mente dos revolucionários franceses e que ela é tão só uma abstração, é que o mesmo conceito pode ser usado para justificar a subida dos jacobinos em nome da nação soberana como para legitimar sua derrubada.

As guerras de Napoleão (1805-1815) marcaram a luta da França por expandir essa “liberação da humanidade”. Contudo a reação ao invasor francês gerou duas atitudes políticas: uma restauracionista, monárquica e absolutista e outra reacionária-nacionalista. Em alguns casos, como no da Prússia houve uma síntese do sentimento monárquico ao nacional sob a chefia de Frederico Guilherme III que liderou a luta restauracionista prussiana a partir da derrota sofrida em 1807, quando se refugia em Kaliningrado para, junto de alguns militares reformistas como Blucher e Von Stein, empreender uma reforma modernizadora do Estado ( uma modernização conservadora ) a fim de ter meios para enfrentar o poderio napoleônico; isto garantiu a vitória alemã contra a França em 1813 na batalha das nações em Leipzig. É importante destacar isso pois há quem tente vincular, exclusivamente, o pensamento de Rosseau – a filosofia base da revolução francesa – com o ideário nacional. Rosseau era um igualitarista republicano como vemos em sua obra basal, “O Contrato Social”; todavia o mesmo Rosseau escreveu uma proposta de reforma da constituição polonesa onde, chamado a orientar a nobreza polaca às voltas com o problema da nação, em face às ameaças do exterior, Rousseau patrocina a causa de um conservadorismo aristocrático pouco compatível com o igualitarismo republicano que advogava no plano da teoria. Essa questão indica uma contradição absoluta que acompanha as relações entre democracia liberal e nacionalismos, que é o sistemático apequenamento da democracia em nome dos interesses nacionais. Onde um cresce o outro decresce.

Logo há uma idéia nacional que emerge da reação ao “afrancesamento” - identificado com o estado laico e as liberdades -que encontrará uma alta expressão em Herder cuja fama é devida ao fato dele ser o pai das noções de historicismo e de volksgeist, bem como o líder da revolta contra o classicismo, o racionalismo e a fé na onipotência do método científico. Eis o que chamamos de nacional-reacionarismo.

Na França uma reação a revolução também se organizou em torno de idéias nacionais: é no âmbito do conservadorismo e do tradicionalismo que as idéias de nação e o nacionalismo francês vão se desenvolver, seja no contexto da Revolução de 1848 seja como reação à derrota na guerra com a Prússia em 1870, seja como reação à Comuna de Paris, em 1871, seja como reação à crise da Terceira República, no final do século XIX, de que é emblemático o caso Dreyfus. Aqui se trata da reiteração de uma tradição conservadora que tem início com François-René Chateaubriand (1768-1848) e Felicité Robert de Lamennais (1782-1854), e que tem seu trecho intermediário com François P. G. Guizot (1787-1874), Pierre G. F. Le Play (1806-1882), Ernest Renan (1823-1892) e Hippolyte Taine (1828-1893), encerrando-se com os autores nascidos na segunda metade do século XIX: Maurice Barrès (1862-1923) e Charles Maurras (1868-1952). Do tradicionalismo católico e aristocratizante de Chateaubriand e Lamennais ao conservadorismo cientificista e patriótico de Renan-Taine-Le Play, ao nacionalismo monarquista, militarista e anti-judeu de Barrès-Maurras-Péguy. Em todas essas versões, a unidade básica de pensamento é a utilização da idéia de nação como instrumento de luta contra a democracia, contra o movimento popular, contra o socialismo e em prol do catolicismo ( no caso de Lamenais-Barrés-Maurras ) .

A Polônia em seu surto nacionalista também foi marcada pelo reacionarismo além do catolicismo; ele atingirá sua máxima importância na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX. Suas ondas cruciais seguiram a derrota polonesa na revolta de janeiro de 1864. O levante de janeiro foi uma revolta na antiga República das Duas Nações (atual Polônia , Lituânia , Bielorrússia , Letônia , partes da Ucrânia e da Rússia Ocidental ) contra o império russo. Um elemento importante do nacionalismo polonês foi sua identificação com a religião católica, com base na narrativa do “Cristo das Nações” e sua forte conotação espiritual que acabou se tornando uma das características definidoras da identidade polonesa moderna. Roman Dmowski, um político polonês da época, foi vital na definição desse conceito e foi chamado de "pai do nacionalismo polonês". Dentro da visão do “Cristo das Nações”, a nação polonesa, que seria originária do antigo povo dos sármatas, teria a cumprir um papel especial na história do mundo. A República das Duas Nações devia ser o baluarte da cristandade, o asilo da liberdade e o celeiro da Europa. Esses ideais já tinham sido expressos por Wespazjan Kochowski (1633-1700), poeta e historiador da corte do rei João III Sobieski, representante do chamado barroco sármata.

O nacional catolicismo polaco reportava-se à visão do martirizado Jesus-Messias (identificado com os eslavos, a Polônia), que devia salvar e unir os pecadores (as outras nações da Europa). As principais características da filosofia do Cristo das Nações, comuns à maioria dos seus representantes conhecidos, são: a convicção a respeito da existência de um Deus pessoal; - a fé na existência da alma; a ênfase ao predomínio das forças espirituais sobre as físicas; a visão da filosofia e/ou da nação como o instrumento para a reforma de vida e a salvação da humanidade; a ênfase ao significado eminentemente metafísico da categoria de nação; a afirmação de que o homem pode realizar-se plenamente apenas no âmbito da nação, numa comunhão de espíritos; o historicismo manifestado na afirmação de que são as nações que determinam o desenvolvimento da humanidade. Dentro deste espírito os nacionalistas polacos imaginavam que a Polônia era quem estava mais qualificada para representar o ideal da nacionalidade, porque, pelo próprio fato da sua existência, era uma testemunha de quão falso e artificial é identificar a nação unicamente com estado, já que a nação podia sobreviver à destruição do estado e recusar-se a ser amalgamada com as potências vitoriosas que a dominavam politicamente. A Polônia estaria, aí, também qualificada para representar o ideal de uma nova ordem internacional baseada em princípios morais e teocêntricos. Importante notar a diferença entre esse nacionalismo polaco – onde a nação é algo anterior ao Estado cujo papel é tão só o de instrumento da nação que é, por tabela, instrumento de Deus – e o alemão-protestante de Fichte que tratará o Estado como síntese final da nação alemã – igualmente tomada como ponto terminal da evolução da humanidade, como o Absoluto.

Durante o século 19/20 religião e nacionalismo vão compartilhar alguns traços e funções comuns: fornecerão mitos de origem, santos e mártires, objetos, lugares e cerimônias santas, um sentido do sacrifício e das funções de legitimação e mobilização. O avanço nos estudos sobre o nacionalismo durante os anos 80 levaria, diferente dum enfoque dado aos estudos sobre o nacionalismo enquanto fenômeno secular, a refletir sobre o lugar do religioso diante de outras referências culturais na ideologia nacionalista. Assim os estudos historiográficos sobre a história das religiões durante as duas últimas décadas deram uma imagem mais atenuada de suas evoluções. No lugar de acentuar a crítica da religião como se manifesta durante o século das Luzes e no século XIX, os estudos insistem sobre as formas diferentes de subsistência, ou seja, de renascimento do "religioso" nas sociedades européias. Georg Mosse destacou o fato, em seu livro sobre a nacionalização das massas, de que o nacionalismo não é somente um movimento político e social, mas utiliza também uma linguagem e símbolos religiosos. Em sua ótica, o nacional-socialismo é a realização dessa osmose entre a nação e a religião no interior da cultura política alemã. O'’Brien explica como a nação é considerada, em seus posicionamentos, enquanto eleita, sagrada ou divina. É também importante observar como a nação é associada à idéia de sacrifício e como esse sacrifício é legitimado. É óbvio que o catolicismo se põe em guarda contra a divinização da nação mas não é exatamente disso que se trata; em uma perspectiva comparada, é surpreendente ver como as políticas da memória e simbólicas se assemelharam nas sociedades européias do século 19 no tocante a construção da identidade. Elas se apoiavam em figuras religiosas do passado, tanto para celebrar a longevidade da unidade nacional criada pela cristianização católica do país – como São Venceslau, na Thecoslováquia; Bonifácio, na Alemanha; Joana d’Arc ou São Luís, na França – quanto para comemorar uma ruptura da unidade católica no passado como o início de uma evolução que conduziria a um estado nacional laico (na linha dum nacionalismo revolucionário) do presente: Jan Hus, Martinho Lutero, Giordano Bruno, uma Joana d’Arc republicana podiam servir de exemplo a isso. A nação e o Estado-nação que a essas tradições se referia deviam ganhar legitimidade histórica e ser colocadas, para além das ações quotidianas, em uma esfera religiosa. Isto significava a elevação da nação ao caráter de uma construção não contingente, como uma entidade fechada, única e holística.

Uma abordagem interessante no que tange ao baixo impacto do secularismo nas ondas nacionais do fim do 19 e começo do 20, é aquela feita por Oliver Janz que estudou as referências religiosas utilizadas, durante a Primeira Guerra, pelos autores de publicações freqüentemente públicas, ou semi-públicas, para se lembrar dos oficiais e soldados italianos mortos nos campos de batalha. Ele avaliou um grupo de 2.300 escritos, dos quais 95% se referiam à nação, sem, no entanto, exprimir sentimentos anticlericais. Em sua análise, esses escritos não mostram o sucesso de uma campanha anticlerical, mas a simbiose entre uma interpretação nacional da guerra e da morte descrita em uma linguagem religiosa. Os mortos são vistos como mártires de uma guerra chamada "santa" e os textos exprimem um culto do sacrifício patriótico que permitiria – com uma clara referência religiosa – o reviver da Itália. A semântica nacional e religiosa é estreitamente relacionada nesses textos ( Não é sem razão que, no decurso do pós primeira guerra se fará a síntese entre o ideal fascista do Facho – que nasce do campo de batalha - e o Catolicismo, reintegrando a Igreja plenamente à vida nacional). Esses estudos apontam que uma versão anticlerical da nação parece ter tido poucos efeitos.

Com a encíclica Rerum Novarum, o papa Leão 13 indicava certa abertura para o mundo moderno e permitia às Igrejas nacionais que se dirigissem a uma política de compromisso com os estados nacionais como explica Burleigh, aplainando o caminho para um Barré e um Maurras na França. Barré que começou liberal terminou na Ligue des Patriotes de Paul Déroulède e depois na Union Sacrée onde chegou a liderar uma campanha pelo reerguimento de Igrejas como pela data nacional do 24 de Junho dedicado a Santa Joana D'Arc como heroína pátria - Cabe dizer que Joana levou a França a uma vitória na Guerra dos Cem Anos contra os Ingleses, depois que as forças militares de Carlos VII Valois foram destroçadas por Henrique V da Inglaterra na Batalha de Azincourt, graças ao fato de ter alcançado superar as divisões e desânimos das tropas dos senhores feudais ( lembrar que o Delfim da França não tinha a disposição um exército regular na época, mas dependia do fornecimento de cavaleiros por parte dos nobres ) com o apelo ao sentimento nacional francês fundado em bases místicas: a França como primigênia da Igreja, nação eleita, braço armado da cristandade à qual Deus enviou uma visionária para salvá-la. A Ligue des Patriotes de Barré, deu origem à Federação Católica Nacional – FNC - que foi criada em 1924 pelo General Édouard de Castelnau, em resposta ao Cartel da Esquerda, que queria relançar a política anticlerical e anticatólica pré-guerra. Grupo de pressão de massa, era constituída pela malha de dioceses e paróquias; Louis Marie Gaston d'Armau de Pouydraguin, que foi diretor geral da Ligue des Patriotes, teve papel decisivo no soerguimento da FNC.

Tudo isto aponta para uma criativa e profícua síntese entre o ideário nacional e o catolicismo entre o fim do século 19 e início dos anos 20, mostrando que o fenômeno nacional em sua linha reacionária não é incompatível com o catolicismo. Voltaremos ao assunto.

Bibliografia

BURLEIGH, M. Earthly Powers. The Clash of Religion and Politics in Europe from the French revolution to the Great War. New York: Cambridge University Press, 2005.

JANZ, O. Konflikt, Koexistenz und Symbiose. Nationale und religiöse Symbolik in Italien vom Risorgimento bis zum Faschismus. In: HAUPT, H.-G.;

LANGEWIESCHE, D. Nation und Religion in Europa. Mehrkonfessionelle Gesellschaften im 19. und 20 Jahrhundert. Campus Frankfurt; New York, 2004.

MICKIEWICZ, Adam. Księgi narodu i pielgrzymstwa polskiego. In: Pisma prozą, część II. Kraków: Czytelnik, 1952.

REMOND, R. Religion et société en Europe. Essai sur la sécularisation des sociétés européennes aux XIXe et XXe siècles (1789-1998). Paris: Seuil, 1998.

O’BRIEN, C. C. God Land. Reflections on Religion and Nationality. Cambridge Mass.:Harvard University Press, 1988

terça-feira, 5 de maio de 2020

A Revolução Brasileira: do PT a Olavo e Moro, a dialética da destruição do país.


Olavo, Moro e Bolsonaro | Missão Política
Olavo-Rosseau, Bolsonaro-Robespierre e Moro-Napoleão: a trinca revolucionária que vai matar o Brasil


O episódio Moro x Bolsonaro nos lançou, de vez, numa nova etapa da dialética que vem sendo aplicada no país faz tempo. Os dois fenômenos se imbricam num primeiro momento ( tese ) porém agora se distinguiram defnitivamente ( antítese ): Morismo e Bolsonarismo não são a mesma coisa mas fazem parte do mesmo processo. (Ver quadro no fim do artigo!)

Para entender este processo é preciso remontar à campanha dos anos 90 – então encabeçada pelo Petismo contra Collor – de “Ética na Política” um marco no “combate a corrupção” e a primeira etapa de embate contra as velhas elites políticas fisiológicas e oligárquicas, vistas como um resquício da “ditadura militar”, um elemento estranho à nova ordem surgida com a Constituição Federal de 1988 que encarnava o sentido duma “revolução francesa” para o Brasil onde se daria a emergência duma nova era de direitos em oposição ao autoritarismo. A ideologia da nova república nascida em 1988 é caracterizada pela velha idéia revolucionária, jacobina e americanista de império da lei, da virtude republicana, do interesse público, etc.

É justamente neste enquadramento que devemos avaliar os últimos fatos da nossa vida política. A ascensão do petismo, do Bolso-Olavismo e do Morismo são, nada mais que faces duma mesma realidade essencial, momentos dialéticos do mesmo “processo revolucionário”. Alguns poderão dizer que não faria sentido encaixar o Bolso-Olavismo como momentos dum processo de revolução dado seu rechaço ao “comunismo” o que não quer dizer absolutamente nada: revolução não significa apenas socialismo mas quebra e ruptura dum velha ordem em prol da criação dum nova ordem política e social seja ela qual for.

Olavo de Carvalho vem tratando, ultimamente, do tema “revolução brasileira”, diferenciando-a do que ele chama de revolução no sentido de “concentração de poder na mão duma elite revolucionária”. Segundo Carvalho a tal “revolução brasileira” se daria quando o povo, passando por cima das elites políticas, tomasse as rédeas do poder e do destino nacional. Para Olavo de Carvalho esta noção está calcada em vários autores nacionais. Um deles – pasmem – é Sérgio Buarque de Holanda – um dos fundadores do PT. No seu livro “Raízes do Brasil” ele fala do descompasso entre “sociedade e política” no Brasil: dum lado teríamos uma sociedade oligárquica/coronelista ao mesmo tempo que uma política fundada em elementos da revolução francesa e americana como um mero aparato jurídico incapaz de, sozinho, mudar a substância do Brasil no caminho duma democracia efetiva. A solução para tal descompasso, segundo Buarque é, exatamente a tal “revolução brasileira” que consistiria em fazer uma mudança vertical e mudar a substância da política tradicional brasileira trazendo à tona atores novos que substituíssem de vez a velha elite com seu estilo de mando oligárquico: nesta revolução vertical o mote seria a despersonalização democrática, o povo como agente político mor, o povo como hipóstase ( como uma idéia, substância, realidade suma, algo que remete à vontade popular/geral de Rosseau). É exatamente este o cariz das falas recentes do sr. Carvalho: revolução do povo, o povo nas ruas, o povo no poder, democracia direta e quebra das velhas elites. Isto integra o Bolso-Olavismo e ao Morismo ao mesmo processo no qual está o PT: se Lula/Dilma foram responsáveis pela integração do povo ao reino do consumo ( até então reservado às classes altas ), se criaram uma classe média do terciário, do setor de serviços, agora é a hora de superar esta fase e seguir para a próxima, que é a da luta extremada contra a “corrupção” ( símbolo da luta contra a oligarquia patrimonialista ), afinal o PT fez tudo isso se alinhando à velha elite fisiológica pmdebista, aos estamentos e ao “deep state” ainda contaminado pelo coronelismo. Neste ponto o Bolso-Olavismo e o Morismo são consequências lógicas do luta petista por “ética na política” contra a velha política.

A distinção entre Morismo e Bolso-Olavismo começou, justamente, quando o papel de Olavo como ideólogo mor do governo ficou delineado – em meados de 2019. Como dissemos no ano passado, Olavo pretende dirigir o processo de revolução brasileira desde que encabeçado por Jair Bolsonaro pois assim, ele teria o controle das etapas revolucionárias seguintes, onde a sua nova elite – seus alunos e seu círculo de adeptos – surgiriam como a mais tenra liderança de Estado depois dele ser varrido dos atuais congressistas, do STF, da ala militar nomeada por Lula/ Dilma, etc:

“Nos seus últimos vídeos, já prevendo a crise iminente entre setores pró-LavaJato, que defendem o combate a corrupção em geral, e as necessidades de sobrevivência do governo Bolsonaro – que envolvem o arquivamento das investigações sobre o Senador Flávio Bolsonaro, que poderiam resvalar no presidente, abrindo brechas para a queda do governo – o velho abriu fogo e lançou críticas ao lavajatismo acusando-o de descolar o combate à corrupção do combate ideológico ao PT. Para Carvalho o fato da LavaJato realizar-se sob os auspícios da neutralidade da lei impossibilita um combate eficaz ao petismo – razão de ser máxima do governo Bolsonaro, para o astrólogo – que, no fim das contas, seria a única coisa que de fato interessaria. Isto tudo permite dizer que, pouco a pouco, Olavo vai atingindo seus fins, quais sejam o de alcançar a hegemonia ideológica sobre a direita bolsonarista reaglutinando-a em torno do combate ao “fantasma petista” - a tal palavra talismã – apresentado-se como o único que tem o conhecimento efetivo para dar cabo de tal ameaça.” - In: https://catolicidadetradit.blogspot.com/2019/09/a-estrategia-criminal-de-olavo-de.html

E onde o Morismo entra nesta dialética? É bem simples: Moro é um produto da luta anti-Corrupção e da luta anti-Petista iniciada desde a emergência da crítica ao mensalão ( em 2006 ); o Morismo é a mais avançada etapa de modernização do Estado e da sociedade brasileira: pois é isto que está em jogo. O Petismo, o Bolso-Olavismo e o Morismo são recusas do “Brasil Real”, a vontade política revolucionária de levar até ao fim o ideal democrático da CF88 substituindo o brasileiro cordial por um novo brasileiro de cariz liberal-igualitário, um brasileiro moderno, ocidentalizado.

Onde o PT falhou em levar adiante a tal “revolução brasileira” o Bolso-Olavismo e o Morismo se colocam na vanguarda. Sobre o Bolso-Olavismo que ninguém se iluda com os ares autoritários de Bolsonaro: todas as vezes que o presidente invoca ações da FA em prol de, nas entrelinhas, “fechar o regime” são no quadro de defesa da “democracia e liberdade” como disse o presidente nas manifestações do dia 03/05/2020, na capital federal:

“Chegamos ao limite...temos as FAs ao nosso lado para defender a democracia e a liberdade”

Quem definiria o significado de “democracia” num regime autoritário de clave bolsonarista seria, evidentemente, Olavo de Carvalho que chamará o pretenso regime de força, de democrático pelo fato de ser a expressão da “vontade direta do povo”, da relação direta “povo – presidente” sem a mediação das elites políticas, aquelas que precisam desaparecer para dar lugar à “revolução brasileira”.

Desde então o Morismo passa a ser a oposição a esta captura jacobina à direita do Estado se tornando o Partido da Lei contra o “Robespierre Bolsonaro”: se a direita jacobina bonorista incorpora a idéia do presidente como “chefe que vai conduzir o povo na revolução brasileira contra as elites”, o Morismo subentende o Judiciário como o mediador dessa revolução, como o lídimo representante da revolução brasileira que teria que se dar sob o Império da Constituição e não do Presidente como Encarnação dela ( Lembram de Bolsonaro falando “Eu sou a Constituição”?). É comum, nas revoluções históricas, surgirem diferentes partidos mais ou menos radicais na implantação dos princípios que elas carregam. E nós estamos num franco processo revolucionário. Prova disto é que a Lava Jato desencadeou a formação de uma gama de novos partidos que se fizeram fortemente presentes na eleição de 2018, reduzindo o papel da velha elite fisiológica. O Morismo aí é a fase mais avançada desta revolução pois a que melhor encarna a tal “despersonalização democrática” da qual fala Sérgio Buarque pois descolada do culto à personalidade como expressou Moro quando falou que “Há lealdades maiores que as pessoais” ( A lealdade de Moro é, sobremaneira, à CF88 como uma “bíblia”, como encarnação do Rule Of Law num sentido americanista: algo que está sob o controle do juiz como intérprete final do sentido dela). Ambos os partidos em luta agora são, nada mais que aquilo que já viemos revelando aqui faz tempo: facetas do americanismo, ódio ao Brasil profundo, dialética que continua, do lado direito, o processo de destruição de nossa identidade iniciada pela esquerda. Se o Bolsonarismo é diabólico, o Morismo é satânico ao cubo pois o primeiro ainda consegue fazer acertos com a velha política – via Centrão – já o Morismo encarna o purismo revolucionário . Neste sentido a fase Morista da revolução brasileira poderá nos lançar num quadro ainda pior que aquele no qual o Bolsonarismo nos colocou.




Esquema de sucessão lógica da “revolução brasileira”:


Momento 1 ( Tese/ Petismo ) → O PT eleva as massas à condição de consumidoras/ O PT cria uma nova classe média do terciário via ações do Estado

Momento 2 ( Antítese A/ Antipetismo ) → Esta nova condição cria uma nova mentalidade de classe social vincada ao modelo de “American Way of Life” ( o modo estadunidense de vida ) e uma nova forma de ver a política → ( “Mais Brasil, Menos Brasília” = Federalismo a lá USA/ A burguesia se sentindo confiante para seguir sem o Estado, passa a exigir liberalismo econômico para promover um novo salto de prosperidade) + caldo de formação da nova direita

Momento 3 ( Antítese B/ Antipetismo ) → Judiciário como reserva moral da nação = modelo americano de justiça onde o Poder Judiciário passa a ter Poder Legislativo para compor as lacunas da Constituição a fim de assegurar os direitos da sociedade civil na sua luta contra os abusos do Estado + ideologia do Estado Mínimo + Moro = herói na luta para suprir, com seu ativismo judicial, as lacunas da CF88 ( Interferência judicial no MP para assegurar a condenação da corrupção petista que emperra a “revolução brasileira”).

Momento 4 ( Síntese das antíteses antipetistas – Nova Tese: Bolsonarismo ) Bolsonarismo incorpora o American Way Of Life, o federalismo, o liberalismo e o judicialismo.

Momento 5 ( Antíteses dentro da Nova Tese Bolsonarista)

Olavismo breca o judicialismo ( Nada de Lava Jato eterna/ Combate a corrupção? Só a do PT – o combate tem de ser ao socialismo/ A revolução brasileira é contra o socialismo e não a luta pelo Império Abstrato da Lei representado pelo LavaToguismo do PSL e agora pelo Morismo) = Ruptura entre Bolso-Olavismo e Morismo:

Momento 5 ( Nova Tese: Bolso-Olavismo ) → Revolução Brasileira sob auspício do Chefe ( Presidente) / O Chefe é o Povo/ Nova Elite; círculo de alunos do COF

Momento 6 ( Nova Tese: Morismo ) → Revolução Brasileira sob auspício da Idéia Abstrata de Lei/ O Judiciário é quem guia o processo/ Nova Elite: Togados Esclarecidos.