Roman Dmowisk, líder do nacional-catolicismo polonês |
Faz-se
mister esclarecer um velho mal entendido, em boa parte fruto dalguns
polemistas católicos que acostumaram o público a considerar a “onda
nacional” como uma heresia política e a admitir, no máximo, na
seara católica, o patriotismo ( uma versão amena do nacionalismo
como se esta fosse, sempre, uma absolutização da nação colocada
no lugar de Deus ). A confusão foi criada, em certo aspecto, pela
ignorância dos tais polemistas em relação a história e, em outro,
pela tentativa deliberada de impor conceitos doutrinais a todo e
qualquer regime que exibisse o nome de “nacional”, sem pesar
fatos e fazer distinções no seio dos amplos espectros deste
fenômeno, esquecidos da definição que Rene Remond dá ao mesmo
enquanto realidade aberta a uma gama de conteúdos na medida em que
este oscilava, durante o século 19 entre aspirações liberais e,
logo, revolucionárias, e aspirações tradicionais, portanto
reacionárias, a depender do terreno em que se manifestassem.
A
primeira onda nacional surge do apelo jacobino à nação francesa
contra o poder régio e contra o “complô dos aristocratas”: é o
soberanismo popular. A convenção nacional de Robespierre exalta o
povo em armas em prol da República. Nação, neste caso, é um
conceito meramente útil: é “o coletivo do terceiro estado”
contra os aristocratas não só franceses mas do mundo inteiro. A
França, pátria da liberdade, não tem por fito estender suas
fronteiras mas a da liberdade tomada como um absoluto; o princípio
primeiro do Jacobinismo não é a Pátria nas suas tradições mas a
liberdade do povo, símbolo da liberdade da humanidade. O horizonte
jacobino é, sumamente, humanitarista. Prova de que a nação não
tem nenhum conteúdo fixo de tradições na mente dos revolucionários
franceses e que ela é tão só uma abstração, é que o mesmo
conceito pode ser usado para justificar a subida dos jacobinos em
nome da nação soberana como para legitimar sua derrubada.
As
guerras de Napoleão (1805-1815) marcaram a luta da França por
expandir essa “liberação da humanidade”. Contudo a reação ao
invasor francês gerou duas atitudes políticas: uma
restauracionista, monárquica e absolutista e outra
reacionária-nacionalista. Em alguns casos, como no da Prússia houve
uma síntese do sentimento monárquico ao nacional sob a chefia de
Frederico Guilherme III que liderou a luta restauracionista prussiana
a partir da derrota sofrida em 1807, quando se refugia em
Kaliningrado para, junto de alguns militares reformistas como Blucher
e Von Stein, empreender uma reforma modernizadora do Estado ( uma
modernização conservadora ) a fim de ter meios para enfrentar o
poderio napoleônico; isto garantiu a vitória alemã contra a França
em 1813 na batalha das nações em Leipzig. É importante destacar
isso pois há quem tente vincular, exclusivamente, o pensamento de
Rosseau – a filosofia base da revolução francesa – com o
ideário nacional. Rosseau era um igualitarista republicano como
vemos em sua obra basal, “O Contrato Social”; todavia o mesmo
Rosseau escreveu uma proposta de reforma da constituição polonesa
onde, chamado a orientar a nobreza polaca às voltas com o problema
da nação, em face às ameaças do exterior, Rousseau patrocina a
causa de um conservadorismo aristocrático pouco compatível com o
igualitarismo republicano que advogava no plano da teoria. Essa
questão indica uma contradição absoluta que acompanha as relações
entre democracia liberal e nacionalismos, que é o sistemático
apequenamento da democracia em nome dos interesses nacionais. Onde um
cresce o outro decresce.
Logo
há uma idéia nacional que emerge da reação ao “afrancesamento”
- identificado com o estado laico e as liberdades -que encontrará
uma alta expressão em Herder cuja fama é devida ao fato dele ser o
pai das noções de historicismo e de volksgeist, bem como o líder
da revolta contra o classicismo, o racionalismo e a fé na
onipotência do método científico. Eis o que chamamos de
nacional-reacionarismo.
Na
França uma reação a revolução também se organizou em torno de
idéias nacionais: é no âmbito do conservadorismo e do
tradicionalismo que as idéias de nação e o nacionalismo francês
vão se desenvolver, seja no contexto da Revolução de 1848 seja
como reação à derrota na guerra com a Prússia em 1870, seja como
reação à Comuna de Paris, em 1871, seja como reação à crise da
Terceira República, no final do século XIX, de que é emblemático
o caso Dreyfus. Aqui se trata da reiteração de uma tradição
conservadora que tem início com François-René Chateaubriand
(1768-1848) e Felicité Robert de Lamennais (1782-1854), e que tem
seu trecho intermediário com François P. G. Guizot (1787-1874),
Pierre G. F. Le Play (1806-1882), Ernest Renan (1823-1892) e
Hippolyte Taine (1828-1893), encerrando-se com os autores nascidos
na segunda metade do século XIX: Maurice Barrès (1862-1923) e
Charles Maurras (1868-1952). Do tradicionalismo católico e
aristocratizante de Chateaubriand e Lamennais ao conservadorismo
cientificista e patriótico de Renan-Taine-Le Play, ao nacionalismo
monarquista, militarista e anti-judeu de Barrès-Maurras-Péguy. Em
todas essas versões, a unidade básica de pensamento é a utilização
da idéia de nação como instrumento de luta contra a democracia,
contra o movimento popular, contra o socialismo e em prol do
catolicismo ( no caso de Lamenais-Barrés-Maurras ) .
A
Polônia em seu surto nacionalista também foi marcada pelo
reacionarismo além do catolicismo; ele atingirá sua máxima
importância na segunda metade do século XIX e na primeira metade do
século XX. Suas ondas cruciais seguiram a derrota polonesa na
revolta de janeiro de 1864. O levante de janeiro foi uma revolta na
antiga República das Duas Nações (atual Polônia , Lituânia ,
Bielorrússia , Letônia , partes da Ucrânia e da Rússia Ocidental
) contra o império russo. Um elemento importante do nacionalismo
polonês foi sua identificação com a religião católica, com base
na narrativa do “Cristo das Nações” e sua forte conotação
espiritual que acabou se tornando uma das características
definidoras da identidade polonesa moderna. Roman Dmowski, um
político polonês da época, foi vital na definição desse conceito
e foi chamado de "pai do nacionalismo polonês". Dentro da
visão do “Cristo das Nações”, a nação polonesa, que seria
originária do antigo povo dos sármatas, teria a cumprir um papel
especial na história do mundo. A República das Duas Nações devia
ser o baluarte da cristandade, o asilo da liberdade e o celeiro da
Europa. Esses ideais já tinham sido expressos por Wespazjan
Kochowski (1633-1700), poeta e historiador da corte do rei João III
Sobieski, representante do chamado barroco sármata.
O
nacional catolicismo polaco reportava-se à visão do martirizado
Jesus-Messias (identificado com os eslavos, a Polônia), que devia
salvar e unir os pecadores (as outras nações da Europa). As
principais características da filosofia do Cristo das Nações,
comuns à maioria dos seus representantes conhecidos, são: a
convicção a respeito da existência de um Deus pessoal; - a fé na
existência da alma; a ênfase ao predomínio das forças espirituais
sobre as físicas; a visão da filosofia e/ou da nação como o
instrumento para a reforma de vida e a salvação da humanidade; a
ênfase ao significado eminentemente metafísico da categoria de
nação; a afirmação de que o homem pode realizar-se plenamente
apenas no âmbito da nação, numa comunhão de espíritos; o
historicismo manifestado na afirmação de que são as nações que
determinam o desenvolvimento da humanidade. Dentro deste espírito
os nacionalistas polacos imaginavam que a Polônia era quem estava
mais qualificada para representar o ideal da nacionalidade, porque,
pelo próprio fato da sua existência, era uma testemunha de quão
falso e artificial é identificar a nação unicamente com estado, já
que a nação podia sobreviver à destruição do estado e recusar-se
a ser amalgamada com as potências vitoriosas que a dominavam
politicamente. A Polônia estaria, aí, também qualificada para
representar o ideal de uma nova ordem internacional baseada em
princípios morais e teocêntricos. Importante notar a diferença
entre esse nacionalismo polaco – onde a nação é algo anterior ao
Estado cujo papel é tão só o de instrumento da nação que é, por
tabela, instrumento de Deus – e o alemão-protestante de Fichte que
tratará o Estado como síntese final da nação alemã –
igualmente tomada como ponto terminal da evolução da humanidade,
como o Absoluto.
Durante
o século 19/20 religião e nacionalismo vão compartilhar alguns
traços e funções comuns: fornecerão mitos de origem, santos e
mártires, objetos, lugares e cerimônias santas, um sentido do
sacrifício e das funções de legitimação e mobilização. O
avanço nos estudos sobre o nacionalismo durante os anos 80 levaria,
diferente dum enfoque dado aos estudos sobre o nacionalismo enquanto
fenômeno secular, a refletir sobre o lugar do religioso diante de
outras referências culturais na ideologia nacionalista. Assim os
estudos historiográficos sobre a história das religiões durante as
duas últimas décadas deram uma imagem mais atenuada de suas
evoluções. No lugar de acentuar a crítica da religião como se
manifesta durante o século das Luzes e no século XIX, os estudos
insistem sobre as formas diferentes de subsistência, ou seja, de
renascimento do "religioso" nas sociedades européias.
Georg Mosse destacou o fato, em seu livro sobre a nacionalização
das massas, de que o nacionalismo não é somente um movimento
político e social, mas utiliza também uma linguagem e símbolos
religiosos. Em sua ótica, o nacional-socialismo é a realização
dessa osmose entre a nação e a religião no interior da cultura
política alemã. O'Brien explica como a nação é considerada, em
seus posicionamentos, enquanto eleita, sagrada ou divina. É também
importante observar como a nação é associada à idéia de
sacrifício e como esse sacrifício é legitimado. É óbvio que o
catolicismo se põe em guarda contra a divinização da nação mas
não é exatamente disso que se trata; em uma perspectiva comparada,
é surpreendente ver como as políticas da memória e simbólicas se
assemelharam nas sociedades européias do século 19 no tocante a
construção da identidade. Elas se apoiavam em figuras religiosas
do passado, tanto para celebrar a longevidade da unidade nacional
criada pela cristianização católica do país – como São
Venceslau, na Thecoslováquia; Bonifácio, na Alemanha; Joana dArc
ou São Luís, na França – quanto para comemorar uma ruptura da
unidade católica no passado como o início de uma evolução que
conduziria a um estado nacional laico (na linha dum nacionalismo
revolucionário) do presente: Jan Hus, Martinho Lutero, Giordano
Bruno, uma Joana dArc republicana podiam servir de exemplo a isso.
A nação e o Estado-nação que a essas tradições se referia
deviam ganhar legitimidade histórica e ser colocadas, para além das
ações quotidianas, em uma esfera religiosa. Isto significava a
elevação da nação ao caráter de uma construção não
contingente, como uma entidade fechada, única e holística.
Uma
abordagem interessante no que tange ao baixo impacto do secularismo
nas ondas nacionais do fim do 19 e começo do 20, é aquela feita por
Oliver Janz que estudou as referências religiosas utilizadas,
durante a Primeira Guerra, pelos autores de publicações
freqüentemente públicas, ou semi-públicas, para se lembrar dos
oficiais e soldados italianos mortos nos campos de batalha. Ele
avaliou um grupo de 2.300 escritos, dos quais 95% se referiam à
nação, sem, no entanto, exprimir sentimentos anticlericais. Em sua
análise, esses escritos não mostram o sucesso de uma campanha
anticlerical, mas a simbiose entre uma interpretação nacional da
guerra e da morte descrita em uma linguagem religiosa. Os mortos são
vistos como mártires de uma guerra chamada "santa" e os
textos exprimem um culto do sacrifício patriótico que permitiria –
com uma clara referência religiosa – o reviver da Itália. A
semântica nacional e religiosa é estreitamente relacionada nesses
textos ( Não é sem razão que, no decurso do pós primeira guerra
se fará a síntese entre o ideal fascista do Facho – que nasce do
campo de batalha - e o Catolicismo, reintegrando a Igreja plenamente
à vida nacional). Esses estudos apontam que uma versão anticlerical
da nação parece ter tido poucos efeitos.
Com
a encíclica Rerum Novarum, o papa Leão 13 indicava certa abertura
para o mundo moderno e permitia às Igrejas nacionais que se
dirigissem a uma política de compromisso com os estados nacionais
como explica Burleigh, aplainando o caminho para um Barré e um
Maurras na França. Barré que começou liberal terminou na Ligue des
Patriotes de Paul Déroulède e depois na Union Sacrée onde chegou a
liderar uma campanha pelo reerguimento de Igrejas como pela data
nacional do 24 de Junho dedicado a Santa Joana D'Arc como heroína
pátria - Cabe dizer que Joana levou a França a uma vitória na
Guerra dos Cem Anos contra os Ingleses, depois que as forças
militares de Carlos VII Valois foram destroçadas por Henrique V da
Inglaterra na Batalha de Azincourt, graças ao fato de ter alcançado
superar as divisões e desânimos das tropas dos senhores feudais (
lembrar que o Delfim da França não tinha a disposição um exército
regular na época, mas dependia do fornecimento de cavaleiros por
parte dos nobres ) com o apelo ao sentimento nacional francês
fundado em bases místicas: a França como primigênia da Igreja,
nação eleita, braço armado da cristandade à qual Deus enviou uma
visionária para salvá-la. A Ligue des Patriotes de Barré, deu
origem à Federação Católica Nacional – FNC - que foi criada em
1924 pelo General Édouard de Castelnau, em resposta ao Cartel da
Esquerda, que queria relançar a política anticlerical e
anticatólica pré-guerra. Grupo de pressão de massa, era
constituída pela malha de dioceses e paróquias; Louis Marie Gaston
d'Armau de Pouydraguin, que foi diretor geral da Ligue des Patriotes,
teve papel decisivo no soerguimento da FNC.
Tudo
isto aponta para uma criativa e profícua síntese entre o ideário
nacional e o catolicismo entre o fim do século 19 e início dos anos
20, mostrando que o fenômeno nacional em sua linha reacionária não
é incompatível com o catolicismo. Voltaremos ao assunto.
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