A
doutrina social da Igreja pontua que a saúde é um bem comum, o que
significa que o acesso à mesma deve ser universal. Partindo deste
pressuposto iniciativas seja do Estado, seja de órgãos
internacionais que subsidiam os Estados em ações de saúde,
estão perfeitamente em consonância com o ensino social católico na
medida em que apoiam iniciativas locais e nacionais de combate a
moléstias que transcendem as fronteiras pátrias. No caso do combate
a uma epidemia mundial que exige ações em comum a fim de que a vida
dos povos seja garantida é perfeitamente aceitável e
razoável que haja uma coordenação. É importante frisar isso
pois há, neste momento, alguns católicos reverberando uma crítica
da direita política bolso-olavista à OMS, ao mesmo tempo
que rechaçam seu papel em qualquer caso. Essa crítica acaba,
muitas vezes, indo na direção de uma visão ingênua de que
qualquer coordenação em termos de política sanitária entre
estados-nações via um órgão internacional são um
exemplo de “globalismo”.
Primeiro
é preciso dizer que é inegável que a OMS nasce dum ideário
globalizante enquanto órgão que preconiza medidas padronizadas de
saúde pública que muitas vezes não levam em conta a cultura dos
povos. Exemplo disso é a campanha da OMS contra a mutilação do
clítoris em tribos africanas sob a justificativa de que isto
constitui opressão patriarcal ao sexo feminino, desigualdade de
gênero e violência. Todavia é sabido que nestas populações a
retirada do clítoris se reveste de caráter religioso e cultural, é
um rito de passagem e até mesmo as mulheres destas tribos
costumeiramente aceitam tal práxis dado que ela é ista
como a remoção duma parte “masculina” da genitália, uma
limpeza que contribuiria, segundo a maneira de pensar destas
populações, para a maior beleza da mulher e maior adequação
da mesma ao papel de esposa. Não queremos aqui entrar no mérito da
discussão sobre se tal prática é justificável mas é
óbvio que este tipo de intervenção da OMS é uma tentativa de
invasão na identidade cultural de diversas nações africanas, sob
auspício duma visão ocidentalizante do como deve ser tratada a
mulher. E aqui temos algo muito interessante: o ideário da OMS não
é exatamente “comunista” como querem os idiotas conservadores ao
estilo olavista que pululam no Brasil, mas sim ocidentalista. Por
outro lado apesar das iniciativas da OMS neste sentido ela não tem
poder coercitivo para obrigar países a proibir as práticas de
mutilação, agindo mais como fórum de pressão sobre os países
ocidentais que financiam a África de modo a submeter ajuda
financeira ao cumprimento dos “direitos das mulheres”, fazendo
campanhas de conscientização através dos médicos sem fronteiras,
etc. Prova disso é que, apesar das suas recomendações no tocante
ao trato da Covid-19 houve muitos países que não seguiram os
protocolos da mesma, sem sofrerem sanção alguma por conta disso (
Aliás é bom destacar que a maioria dos países que ignoraram a OMS
neste caso foram Belarus, Turquestão, Vietnã, Nicarágua,
Venezuela, México, todos países que tem governos socialistas ou de
esquerda, o que desmonta a tese do bolso-olavismo político de que
medidas de locaute ou isolamento seriam de cunho “comunista”).
Por
outro lado há iniciativas da OMS muito positivas como os esforços
para controlar doenças tropicais negligenciadas – tais como
dracunculíase (infecção pelo verme da Guiné), lepra,
esquistossomose, filariose linfática e bouba – que resultaram
em ganhos progressivos na área da saúde, incluindo a erradicação
da dracunculíase. Desde 1989 – quando a maioria dos países
endêmicos passou a relatar mensalmente a situação de cada
localidade infectada a OMS– o número de novos casos de
dracunculíase caiu de 892.055, em 12 países endêmicos, para 3.190,
em quatro países, em 2009: uma redução de mais de 99%. Isto foi
resultado de ações conjuntas da OMS junto aos estados africanos,
numa abordagem plenamente condizente com o princípio da
subsidiariedade da Doutrina Social da Igreja, que preconiza que entes
superiores deem suporte a entes inferiores a fim de que os segundos
consigam dar conta de suas demandas sociais, econômicas,
sanitárias, culturais, etc.
Dito
isto precisamos contextualizar a recente alegação do governo
Bolsonaro de que irá retirar o Brasil da OMS. Os “conservadores”
de plantão ( “conservadores” que nada conservam na medida
que postulam o liberalismo econômico e a consequente destruição
dos instrumentos de defesa e ação do Estado Brasileiro via
privatizações do nosso patrimônio ) imaginam que isto será
melhor dada a recente atuação falha da OMS no que tange ao
Covid-19. Sabe-se que a OMS atrasou o alerta de emergência
sanitária por pressão da China como podemos ver aqui:
“Depois
de sete horas de reuniões entre especialistas na Organização
Mundial da Saúde, adiamentos de anúncios e pressões nos
bastidores, a entidade com sede em Genebra anunciou na noite de
quinta-feira que seria "cedo demais" para declarar uma
emergência sanitária global por conta do coronavírus. A decisão,
porém, rachou os especialistas convocados de forma extraordinária e
demonstrou a dificuldade e pressões sobre um anúncio que poderia
ter amplo impacto comercial e político. "Houve uma divisão dos
membros", reconheceu Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da
OMS....Mas a conclusão da OMS também foi resultado de uma ampla
manobra do governo da China para evitar um constrangimento
internacional. Politicamente, a declaração de emergência
significaria um duro golpe contra a economia local e, em especial,
contra o presidente Xi Jinping. Fontes em Genebra acreditam que, se a
opção fosse por tal medida, o sinal que se mandaria ao mundo era de
que Pequim não estaria sendo capaz de conter um surto, um
certificado de uma falha no seu sistema de saúde....” - Veja mais
em
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/01/24/sob-pressao-china-manobra-para-abafar-emergencia-sanitaria-global.htm?cmpid=copiaecola
Para
bem colocarmos a questão é preciso que entendamos como a OMS
funciona. Da OMS fazem parte os 194 países membros da ONU,
incluso o Brasil. Os Estados- membros nomeiam delegações para
a Assembleia Geral da Saúde Mundial que se
reúne em Genebra. A saída do Brasil e o corte de recursos advindos
dos EUA a OMS – tal como anunciado por Trump – é algo que
favorecerá ainda mais a China pois, numa próxima
epidemia, ela poderá, mais uma vez, atrasar o aviso de emergência
mundial como se deu agora, coisa que não aconteceu no quadro da
H1N1 por que os EUA atuavam mais diretamente na OMS. Na época
o surto de H1N1 teve início em meados de março de 2009 no
México. A OMS, já no começo de Abril, quando o número de
infectados era bastante baixo, lançou o alerta mundial de
epidemia, permitindo aos países que se preparassem melhor
para combater a moléstia. Comparem o trato que a OMS deu ao
H1N1 com o que deu ao Covid-19, que é dez vezes mais letal que o
H1N1: NO CASO DO COVID-19, CUJOS PRIMEIROS CASOS FORAM REGISTRADOS NO
FIM DE DEZEMBRO DE 2019 ATÉ O ALERTA DE EMERGÊNCIA, PASSOU-SE
UM MÊS! Nesta altura já havia mortos pelo COVID-19 na China!
Mesmo
em fevereiro a OMS, ainda sobre pressão da China, recursou a
considerar a coisa como pandemia mesmo o Covid-19 já tendo
registros em 37 países como vemos
aqui: https://news.un.org/pt/story/2020/02/1705381 ).
Como
bem observou Tatiana Prazeres, especialista em relações
internacionais:
“os
Estados Unidos estão mais autocentrados e menos dispostos a liderar
uma resposta internacional para a pandemia, o que abre espaço para o
avanço dos chineses. A
China está ocupando um espaço gerado pela retração dos
americanos", aponta ela, que é professora na Universidade de
Negócios Internacionais e Economia, em Pequim. "Há realmente o
risco de que a mudança geopolítica se dê nessa direção, e é um
resultado que depende mais do que os americanos estão deixando de
fazer do que o que a China está fazendo."
- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52410557
Desta
forma tudo isto expõe a absoluta incapacidade intelectual dos
conservadores brasileiros de lerem o contexto político
internacional. Se a China pode ser culpada pela pressão feita
sobre a OMS, Trump e os EUA também devem ser responsabilizados em
razão de seu desinteresse nas questões sanitárias mundiais.
Outro
ponto em que precisamos insistir é no do financiamento da OMS. A
retração do financiamento dos USA à organização vai aumentar a
influência de fundações globalistas como a de Bill e Melinda Gates
e a da Fundação Rockefeller além dos mega-oligopólios
farmacêuticos. Não era a hora de Trump aumentar os recursos para a
OMS e fazê-la servir aos países em vez de ser pautada por ONGs e
Fundações vincadas ao poder financeiro internacional (
Hoje a OMS recebe recursos de 80 ONGs que não tem compromissos com
os estados-nações mas que atuam como Lobbys de causas como a do
feminismo, a mesma que embasa a campanha de invasionismo cultural da
OMS em tribos da ÁFRICA que extraem o clítoris das meninas )
? Não é a hora da direita que se diz anti-Globalista tomar a peito
a missão de rediscutir o papel da OMS e ONU em vez de simplesmente
recusá-las? Não é a hora de fazer essas organizações servirem de
entes que subsidiam ações positivas em prol do bem estar geral e
dos estados-membros em vez de levar a cabo uma crítica imbecil e
desconexa do mundo real que hoje exige ações conjuntas
para vencer problemas que acabam transbordando fronteiras? O fato é
que a OMS não vai desaparecer quando Brasil e EUA saírem dela. Isto
tudo expõe o caráter psicótico do fenômeno bolsonarista; o
apoiador médio do presidente hoje encampa o “estado mínimo”
legitimando sua opinião na base do combate a corrupção, na base do
“já que usaram o estado para roubar, diminuamos o estado!” -
isto equivaleria a dizer que devemos ter menos carros circulando
porque há quem os utilize para cometer assaltos! Da mesma
maneira fazem com a OMS: já que ela foi usada pela China vamos
abandoná-la.
Lembramos
que Tedros Adhanom, chefe da OMS desde 2017, só pode
virar o diretor geral dela por conta do Lobby da China sobre
a instituição, ampliado justamente no ano em que Trump subiu ao
poder nos USA com a retórica de deixar de lado a atuação dos EUA
nos órgãos internacionais. Se um país se faz presente na
OMS ele evita que China paute quase exclusivamente a
OMS e pode se fazer ouvir. Saindo não há esta chance.
Já
passa da hora do imbecil coletivo bolsonarista que repete clichês
automaticamente, começar a refletir, se é que isso ainda é
possível.
Muito bom, Rafael. Só uma dica: Cuidado com o tamanho da fonte, algumas pessoas podem sentir dificuldade para ler.
ResponderExcluirParabéns,Rafael excelente publicação.
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