segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A Rússia de Putin é uma ameaça aos católicos?

 







Há muitos católicos temerosos dum neo-expansionismo russo . A alegação é que Putin poderia trazer de volta a práxis político da URSS marcada pela perseguição à religião que foi intensa e, num primeiro momento, atingiu todas as Igrejas: desde católicos a cismáticos “ortodoxos”, passando por protestantes batistas. Em 2008, quando apresentamos nossa monografia no curso de História da UERJ, mostramos como essa estratégia se desenvolveu e evoluiu até ao ponto que Stálin, percebendo a impossibilidade de destruir o sentimento religioso, resolveu favorecer a Igreja Ortodoxa Russa que historicamente vem sendo a religião predominante dos russos. Naquele período a “Ortodoxia” obteve um status de religião tolerada ficando sob forte controle do Politburo. Quando o regime soviético caiu a religião voltou a ter liberdade mas o número de católicos romanos era muito baixo, cerca de quinhentos mil quase todos ligados a minorias étnicas. A queda da URSS trouxe nos países que foram seus satélites, tensões entre o Patriarcado de Moscou e as Igrejas Católicas de Rito Oriental tanto na Criméia, quanto na Ucrânia e Romênia, acusadas pelos cismáticos “ortodoxos” russos de roubar templos e de influenciar cismáticos de outros patriarcados a reconhecer o papa como líder espiritual, coisa que o Patriarcado de Moscou não admite.



Sabemos que desde a ascensão de Putin o Estado e a Igreja Russa vem se aproximando de modo que o Patriarcado de Moscou hoje exibe um status privilegiado dentro do país. Na Rússia atual até os membros do partido comunista – que segue existindo sob a chefia de Zyuganov – se reconciliaram com a religião “ortodoxa”. Zyuganov já disse ao Patriarca de Moscou que o “maior erro dos meus predecessores foi que eles abandonaram a Igreja”. Logo, podemos ver um reencontro de Estado – Igreja mas sob a forma do cisma de 1054. Essa é a razão pela qual certos católicos imaginam que um crescente poder russo pode trazer problemas para a Igreja de Roma. Inclusive, na época da tomada da Criméia por Putin, houve padres romanos que relataram perseguições tais como o cura Iavorski, que foi sequestrado; acontece que ele era capelão das forças armadas e da polícia e sabemos que em uma guerra os alvos prioritários são os oficiais e soldados.



Portanto o uso desse fato para justificar um temor de perseguições russas generalizadas ao catolicismo, na era Putin, é, ao meu ver, exagerada e usada para fins de legitimação do ocidente entre católicos. A questão, apesar de pertinente, deve ser pesada sob três aspectos:



1- A nova constituição russa dá voz a religião na vida pública e reconhece como religiões do povo o “budismo, o islamismo e a ortodoxia”, estando o catolicismo excluído. Lembro que a Rússia é um país multiétnico que tem populações de origem mongol na Sibéria – onde o budismo se faz presente – e de origem tártara que corresponde a catorze por cento da população e que é adepta do islão. Mesmo assim a religião católica tem a proteção da lei e segue viva entre as minorias étnicas (polacos, armênios, alemães) na Rússia.



2- No ocidente laico a religião – seja qual for – está excluída da vida púbica e cada vez mais ameaçada pela pauta lgbt que se vale da “homofobia” - expressão imprecisa, lata e que abre brecha para qualquer coisa ser tipificada como tal, até a simples lembrança por parte dum padre católico ou “pastor” protestante de que a única prática sexual aceitável ante Deus é a entre homem e mulher casados  – para criminalizar tacitamente todas as religiões monoteístas.



3- Um império russo sobre a Europa talvez trouxesse dificuldades para os católicos romanos de países do leste europeu – caso a Rússia conquistasse essas regiões - onde eles são minoria frente aos cismáticos – Caso da Sérvia, Macedônia, da Bulgária, etc – dada a relação íntima Estado e Patriarcado no Regime de Putin mas também haveria choques com os patriarcados 'ortodoxos' locais, independentes de Moscou e que, dificilmente iriam ceder a um status de submissão; por isso mesmo é difícil apostar que um tal Império pudesse se estabelecer sem um acerto prático com o Vaticano e com a maioria católica na Polônia e da Hungria que nem mesmo o totalitarismo comunista pode eliminar – isso, é claro, na improvável hipótese duma expansão desse quilate.




Isto posto, pesadas as vantagens e desvantagens duma possível expansão russa é preciso dizer que:




1- As desvantagens seriam maiores em regiões onde a Igreja já enfrenta dificuldades – países de maioria cismática – e menores em países onde ela é maioria – isso se pensarmos na possibilidade remota duma restauração do Império Romano sob Putin em que ele governasse de Paris a Moscou.




2- O mais provável é que a Rússia busque apenas uma retomada do antigo espaço territorial da URSS, e isso só será possível se Putin tiver sucesso na Ucrânia. As vantagens dessa expansão – pensando em termos duma improvável conquista da Europa – seria o colapso do regime liberal que, pouco a pouco, vai criminalizando qualquer religião que defenda a lei natural. Num quadro desses Putin teria que se apresentar como defensor dos direitos tradicionais da religião em geral e mesmo que desse status privilegiado ao Patriarcado de Moscou teria que reconhecer os direitos dos católicos romanos e de outras Igrejas a fim de ter base para governar como o novo Augusto.




3- Putin pode não ser um novo “Carlos Magno” do qual a catolicidade precisa mas ajuda a frear o liberalismo ocidental e a manter de pé a lei natural. Já tivemos no Ocidente, mais precisamente nos EUA, agentes de cartório sendo presos por se recusarem, por conta de sua fé, a celebrar casamentos lgbt. Impensável tal coisa num mundo sob Putin que, aliás, sempre manteve a linha de diálogo aberta com Roma desde sua visita a Bento 16 em 2007. .