Clóvis, rei franco, teve suas guerras ofensivas celebradas por São Gregório de Tours |
Diante da operação especial da Rússia na Ucrânia - classificada por inúmeros "analistas" como guerra ofensiva - a consciência católica se pergunta se tal empresa é justa ou não, afinal, via de regra, prevalece a posição de Santo Agostinho que concebe apenas a guerra defensiva como moralmente válida.
O primeiro ponto a que devemos nos ater é que o conceito de defesa não é tão restrito como alguns imaginam: em certas ocasiões é preciso atacar para não ser atacado, aquilo que, na doutrina militar, chamamos de "ataque preventivo". A operação especial da Rússia na Ucrânia - lembro que não houve uma declaração oficial de guerra - pode ser classificada como ataque preventivo contra a expansão da Otan e a probabilidade de instalação de bases nucleares norte americanas na Ucrânia, colocando a Rússia, e o mundo, em severo risco o que justificaria a medida tomada pelo Kremlin.
O segundo ponto é que santos como Gregório de Tours, autor da famosa "História dos Francos", chegou a justificar a guerra ofensiva. E aqui precisamos focalizar a biografia que Gregório faz da vida de Clóvis que uniu a tribo dos Francos e se aliou a Igreja, sendo o primeiro rei do Estado Franco. Ao suceder seu pai, Childerico, Clóvis herda o controle de Reims e Tournai. Percebam que Clóvis não se limitou a manter as terras herdadas mas ampliou seus domínios vencendo os turíngios e conquistando Soissons. A tomada de Soissons por Clóvis foi consagrada pelo Bispo local. Depois que Clóvis se converte a fé cristã ele acumula vitórias em guerras ofensivas contra os alamanos e burgúndios, povos bárbaros ainda pagãos. Quando de sua guerra contra os visigodos vai invocar a proteção de São Martinho na Basílica de Tours. Clóvis termina vencedor e é declarado augusto e cônsul. Gregório de Tours vai definir Clóvis como fiel cumpridor da vontade de Deus e que a recompensa pela sua fidelidade era a vitória nas batalhas expansionistas. Gregório usa as seguintes palavras:
"dia a dia Deus entregava seus inimigos em sua mão e aumentava seu reino pois Clóvis caminhava com Deus com coração reto e fazia o que era agradável aos seus olhos".
Percebam que Gregório faz vista grossa sobre a inteira falta de escrúpulos de Clóvis em aumentar seus domínios quanto em executar os seus adversários, inclusive familiares. Sabe-se que Clóvis, para unificar os francos, matou inclusive seus parentes fazendo o sangue jorrar em profusão. Apesar disso Gregório entende que Clóvis não era merecedor de censura pois fez isto tudo para maior glória de Deus já que a expansão de seu reino era, por tabela, a expansão da cristandade católica tanto que depois de sua morte ele é enterrado na Basílica dos Santos Apóstolos e celebrado como um Novo Constantino.
Logo quando um rei ou chefe é protegido de Deus e faz guerras ofensivas para espalhar o estado sob Deus o ímpeto conquistador parece justificado. Neste caso haveria uma exceção à regra geral de que a guerra defensiva é a única legítima dum ponto de vista cristão. Um caso que nos ajuda a iluminar tal questão é o das Cruzadas: embora ele tenha iniciado sob a justificativa da agressão turca aos cristãos de Jerusalém, ela foi além do objetivo pontual de libertar os locais sagrados da infâmia dos turcos expandindo o domínio cristão sobre toda a Palestina com o Reino Latino de Jerusalém cujos domínios iam de Edessa, passando por Antioquia, Trípoli, Acre e Ascalão.
Bibliografia
Brown, Peter. El primer milenio de la cristiandad ocidental. Barcelona, Crítica.
Fletcher, E. The Barbarian Conversion. New York: Henri Holt.
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