quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Resposta ao Sr. André Luiz sobre a QTP

2016 novembre - EreticaMente






Existe uma tática retórica que consiste em tentar dissuadir o interlocutor do debate dando-lhe uma resposta extensa e complicada, quase impossível de destrinchar seja pelo tamanho ou por uma aparência de elevação e profundidade que, muitas vezes, não passa de “embromação”, para usarmos um termo popular. Este é o caso da recente resposta do sr. André Luiz da NR a uma série de contestações que fizemos num recente podcast.

Por isso seremos bem objetivos na nossa réplica.

Primeiro iremos resumir a contestação de André Luiz a alguns pontos basais:

Segundo o mesmo:

1- Dugin não identificaria, exclusivamente o Katechon com o Czar Russo mas usaria duma simbologia metafísica que se referiria a um pólo positivo existente em toda religião, pólo este responsável por segurar o desencadeamento do mal.

2- A concepção católica de tempo não é linear mas espiralada. A linearidade seria própria do iluminismo.

3- Não podemos falar de fatalismo em Evola/ Dugin pois Juízo Final, em termos de teologia católica, poderia ser interpretado, sob certa perspectiva, como fatalismo também.

4- Serafim de Sarov teria deixado claro que o “éden ainda está entre nós e que nós que não temos olhos para vê-lo” e que isto seria o fundamento do conceito de temporalidade católica romana em vez daquele que vê a história como processo unidirecional-linear.

Quanto ao ponto 1:

- Dugin diz que:

“a estrutura da compreensão cristã do tempo é simples: Cristo vem, vive 33 anos entre as gentes, funda a Igreja. Em seguida, o mundo cristão começa a ser construído, culminando no processo de cristianização do Império, isto é, na proclamação do imperador romano – o Katechon. E então, o Anticristo vem...Na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, o Apóstolo Paulo descreve a vinda do Anticristo: “Porque o mistério da iniqüidade já está em ação, apenas esperando o desaparecimento daquele que o detém”. Ou seja, Katechon. Ele também é responsável por guardar o limiar da história. O Tsar Ortodoxo é aquele que se situa na última linha antes do Anticristo. E quando ele cai, e a lacuna no Ser é perfurada, o Anticristo vem...O Anticristo vem depois que o Cristianismo deixa de ser dominante – quando deixa de ser imperial”

Ele deixa explícito que, na sua compreensão do que seja a temporalidade cristã, a proclamação do imperador romano é o que segura a manifestação do mal visceral. O anticristo virá quando o Cristianismo não tiver mais um imperador romano e isto se dá quando o Czar desaparece. A posição de Dugin é um reflexo de sua cultura: como russo que é adere ao cesaropapismo, doutrina segundo a qual o Czar tem supremacia sobre a cristandade, unificando em si, o poder religioso e político. E é, também, reflexo de seu perenialismo: o Czar simboliza o “Rei do mundo”, uma figura presente na filosofia de René Guénon; para o mesmo a Tradição do Rei do Mundo (ou Tradição Primordial), seria conhecida sob a designação bíblica do rei Melquisedeque e análoga à Agharta oriental, nas suas funções de Autoridade Espiritual e Poder Temporal, expressas na Terra como manifestação real de Deus; segundo René os vários centros espirituais existentes ao longo da história – incluído aí o papado romano - foram sempre expressões secundárias de um Centro Espiritual Maior ou Omphalos do Mundo como meio subsistente e de resguardo da luz divina no atual período de obscurecimento espiritual da Humanidade, a Kali-Yuga.

Ou seja, não existe saída para Dugin: sua concepção de Katechon se funda em duas heresias:

- A primeira, ou cesaropapismo, que consiste em dar primazia ao poder político ( rei ) sobre o poder espiritual ( Igreja Católica ) no governo da cristandade, enquanto representação máxima da ordem cristã ante o mal e o caos.

- A segunda, ou perenialismo, que vê os tais pólos de ordem refletidos nas várias tradições, incluída aí a Igreja e o Papado, como meras expressões segundas dum Centro Espiritual Maior, identificado com o Rei do Mundo, figura que salvaguarda a luz divina em última instância.

Neste sentido a Igreja Católica e o Papado passam a coadjuvantes enquanto muralha que evita a manifestação do Anticristo e o Rei do Mundo ou figuras que o simbolizam ao de protagonista.

Quanto ao ponto 2:

- O sr. Luiz confunde deliberadamente os leitores fazendo uma miscelânea entre concepção temporal católica e a teologia sacramental da missa enquanto atualização do sacrifício de Cristo no altar a fim de atraí-los para dentro duma concepção heretizante.

Sobre a relação da missa com o sacrifício de Cristo o que temos aí é uma relação entre tempo e eternidade e não um “plano temporal superior” ao qual o homem poderia se vincular de modo vertical. Na verdade é Deus quem vincula o homem, dalgum modo, a vida eterna desde esta vida, onde vislumbramos a esperança da glória. Não há dois planos temporais superpostos mas uma inter-relação entre Deus e o mundo, entre o Eterno e o homem. Essa relação se chama história sagrada que é, nada mais, que a era da graça onde a Igreja cresce no mundo sob influxo do Espírito Santo até que chegue o Juízo Final. Essa história não é uma espiral mas uma linha. Espiral é uma curva plana que gira, mais ou menos próxima, em torno dum centro. Mas ela sempre gira. No caso da História Sagrada ela não é uma curva que vai e volta, num movimento cíclico: ela é uma linha que se aproxima do Juízo Final. Um dia ela chegará ao fim. Espirais, ao contrário, não cessam pois é da natureza dum círculo não ter começo nem término. O senhor Luiz usa espiral para evitar o termo ciclo, evitando ser acusado de aderir a um conceito hindu de história; isso pode funcionar com inexpertos mas não conosco.

E aqui é preciso fazer algumas distinções: foi Santo Agostinho quem melhor explicou a natureza da cosmovisão católica sobre o tempo. Embora o platonismo tenha deixado marcas no pensamento do santo, ele não foi tão longe nele quanto foi Orígenes. O contraste entre ambos é fundamental pois marca a estruturação da ortodoxia católica romana ante as tendências platonizantes exageradas de Orígenes e dalguns padres do oriente, tendência esta que marca os cismáticos como o sr. André.

Para Orígenes o processo temporal não tinha um “fim” - uma meta definitiva a atingir. Haveria, para ele, uma sucessão de mundos infindos através dos quais a alma imortal perseguia seu curso. Já que a alma é imortal ela pode cair do mais alto bem para o mais baixo mal ou ser resgatada do mais baixo mal para o mais alto bem. Embora Orígenes rejeite a doutrina helênica clássica do “Retorno de Todas as Coisas” ( A mesma que Evola aceita ) pois ela destruiria o livre arbítrio humano, aderindo a algo mitigado próximo da doutrina hindu do samsara, santo Agostinho a rechaça com a mesma força que usou para rejeitar a das recorrências cíclicas. A teoria do retorno, para Agostinho, é o efeito natural da crença da eternidade do mundo. Uma vez que aceitemos a doutrina da criação não podemos aceitar nem a tese da rotação circular das almas de Orígenes ou a de que nada novo ou final poderá acontecer no tempo que não é uma imagem rotativa da eternidade ( como quer fazer parecer o sr. Luiz ao usar o conceito de espiral ) mas um processo irreversível. Santo Agostinho explodiu os ciclos perpétuos; essa mudança de atitude já estava implícita pois toda a revelação cristã se funda em eventos temporais que possuem significado absoluto, único e irrepetível.


Quanto ao ponto 3:

- Sobre o fatalismo de Evola ele admitia, apenas, a possibilidade de reverter a decadência antes do ocaso do Kali Yuga o que significa se ela não tiver chegado a sua curva descendente final. Caso já estejamos nesta curva só nos restaria acelerar o desencadear do mal entregando-nos a ele: Evola acreditava que para a hora do crepúsculo seria condizente acelerar o fim da Kali-yuga “cavalgando o tigre”, acelerando os processos de dissolução que ocorrem nesses tempos deletérios.

Evola deixa clara essa posição em seu “Revolta Contra o Mundo Moderno”:

“Para alguns, o caminho da aceleração pode ser a abordagem mais adequada para uma solução, considerando que, dadas certas condições, muitas reações são o equivalente daquelas cãibras que apenas prolongam a agonia e, ao retardar o final, também atrasam o advento do novo princípio. Assim, seria conveniente assumir, juntamente com uma atitude interior especial, os processos mais destrutivos da era moderna, a fim de usá-los para a liberação; isso seria como virar um veneno contra si mesmo ou como "cavalgar o tigre".

- Sobre o Juízo Final poder ser entendido como “fatalismo” sob certa perspectiva, isto não o torna “fatal” como é o caso do fatalismo cíclico evoliano que, em certa fase da curva de descenso simplesmente admite a suspensão da responsabilidade e capacidade moral do homem em sua luta contra o desencadear final do mal, revertendo um processo. A cosmovisão católica não suspende, em momento algum do processo histórico, a responsabilidade ou capacidade de nos opormos ao mal; logo classificar a teologia da história católica como “fatalismo”, seja em que sentido for, é uma imprecisão: seria mais adequado falar de finalismo. O resultado do Juízo Final é incerto quanto a quem será julgado digno ou não. Mas é para esse fim que nos dirigimos mantendo, em todos os instantes da história universal, os acontecimentos em aberto inclusive o resultado deste fato derradeiro que é o Juízo Universal.

Quanto ao ponto 4:

- Serafim de Sarov se afasta completamente da fé católica romana na medida em que renega os efeitos do pecado original no homem e no mundo e que são irreversíveis historicamente no estado de queda em que nos encontramos: mesmos aqueles que estão em estado de graça e amizade com Deus vivenciam o poder da concupiscência que faz o homem tender ao pecado; poder este que permanece ativo, por desígnio de Deus, mesmo depois do batismo como um fator que estimula o homem na luta espiritual. Logo aduzir que “o éden está entre nós” é uma falsidade herética dado que nele o homem possuía dons preternaturais (imortalidade, integridade, impassividade) os quais, mesmo em estado de santidade, ninguém pode recuperar. Isto prova, decisivamente, que a teologia da história católica que vê o tempo como linearidade é o modo escorreito de ver as coisas. A não ser que o sr. André Luiz ache algum homem vivendo, agora, em algum lugar da terra, em estado adâmico, não restam mais recursos para o mesmo: esta sua concepção de tempo é anticatólica e heretizante.

Assim os católicos não estão autorizados a se filiar a uma organização – qual seja a NR - que postula uma filosofia da história calcada nos preceitos esotéricos de Evola e Dugin.

Um comentário:

  1. Professor, que doutrinas políticas "dissidentes" o senhor recomenda estudar? Acaba tendo muitas más influências nesse meio, teria algum caminho mais seguro?

    ResponderExcluir