quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Uber não é Empreendedorismo ou a ignorância de Kogos





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Kogos e sua camiseta maçônica. Precisa dizer mais? 


Recentemente o programa Fantástico da Rede Globo trouxe uma matéria sobre “empreendedorismo” onde exalta o fato de pessoas estarem se virando para sobreviver inventando formas de vender serviços e produtos usando plataformas cibernéticas ligadas as redes sociais e aos apps. A impressão passada pela referida matéria é que novos nichos de mercado estão nascendo e que isso traz ganhos de produtividade ao país em meio a recessão que vivemos – o Brasil cresceu pífios 1% em 2019! Quem embarcou nessa canoa furada foi o Ancap Paulo Kogos que se jacta de entendedor de economia.

Kogos lançou invectivas contra Felipe Neto, no vídeo que listamos aqui: https://www.youtube.com/watchv=n6uIpQwX7jE&lc=z23dtfbjhzjwj34pj04t1aokg5ksy0solyyklxqfrkh1rk0h00410 que teria criticado a matéria do Fantástico.

No dizer de Kogos, Neto estaria a desestimular as altas possibilidades produtivas abertas por plataformas como UBER EATS, IFOOD, RAPPI, etc. Segundo Kogos haveria altas vantagens para o pólo do capital representado pelas plataformas referidas quanto para o indivíduo que se emprega nessas atividades. Kogos reitera que a CLT trava a produção no país impedindo o emprego de pessoas cuja produtividade fica abaixo daquela requerida pela lei – que exige um salário-mínimo a ser pago ao funcionário. A falácia kogosiana é clara: por um lado ele exulta com as possibilidades produtivas abertas pelos serviços de apps, depois reconhece que a produtividade deste tipo de trabalho está abaixo do salário-mínimo o que prova que seu discurso está a serviço do grande capital e sua sanha por redução brutal de custos ao mesmo tempo que ele critica os monopólios numa clara expressão de dissonância cognitiva. O que Kogos e os jornalistas do Fantástico não entendem é que a produtividade nesse setor é definida não apenas pela demanda do que é entregue mas também pela oferta dos entregadores, para ficarmos só no exemplo dos serviços de entrega. O quadro nesse setor é de alta elasticidade nos preços pagos pela entrega. Se, por algum motivo, as pessoas param de comprar comida fora, isso vai afetar diretamente a margem de ganho de cada entregador. A curva de demanda aí é muito sensível a qualquer mudança nas condições gerais da economia – inflação de alimentos podem levar as pessoas a preferir cozinhar em casa que comprar lanches prontos por conta da elevação do preço. Mas se a demanda por entrega aumentar e o número de entregadores for pequena a tendência é que o recebido por entrega feita aumente em termos não só nominais mais reais. Esses elementos são os que determinam o ganho num setor onde prevalece o mecanismo da competição perfeita – a presença de muitos concorrentes incapazes de dominar amplas faixas do mercado e fadados a dividi-lo – o que leva todos a buscar reduzir custos, única forma de angariar maiores lucros num mercado onde a margem de lucro não pode ser aumentada via hegemonia. Se houver uma mudança institucional de redução de custos via uma reforma trabalhista como a que tivemos na era Temer, então os empreendedores vão criar lobbys para impedir que a margem de lucros diminua; todos vão impor um regime de redução de custos extremo. Reparem que é esse sistema brutal que Kogos defende ao mesmo tempo que alega que tais atividades permitiriam ao sujeito poupar para abrir seu próprio negócio! Num quandro de redução brutal de custos e pagamentos irrisórios por entrega onde o empregado é obrigado a ampliar suas horas de labuta para sobreviver falar de poupança – portanto num contexto de puro sobrevivencialismo – chega a ser um escárnio. A realidade é que Kogos tem uma função clara: legitimar o processo de Mamonismo, de culto ao lucro desmedido e de rapinagem empresarial incluído aí a sanha do capital global representado pela UBER – que já se vale de processos técnicos que visam substituir de vez o homem pela Inteligência Artificial num cenário de futuro fracamente distópico - que tomou conta do país faz um tempo. Não há nenhuma preocupação dele com o bem geral do país mas apenas com a defesa intransigente das “trocas voluntárias”, noção mercadológica aplicada a tudo, até a relações de trabalho que deveriam estar sob a regência duma ética, sem considerar a disparidade de poder que envolvem as mesmas e os consequentes abusos empresariais quando falta a proteção duma autoridade/poder/lei que modere a cupidez do pólo do capital.

Outrossim é uma piada de mau gosto Kogos chamar tudo isto de empreendedorismo. Isso não é empreendedorismo. Empreendedor é aquele que cria seu próprio trabalho e isso se dá quando ele identifica que há um nicho de mercado que não está sendo atendido e ele vê que o risco de criar um negócio vale a pena. Ele calcula que entre o grau de risco e aquele emprego conservador dele com salário certo, que vale a pena arriscar, que correr o risco é uma alternativa melhor e mais promissora se ele tem as condições mínimas para atender aquele nicho. A primeira coisa que determina o empreendimento é não a falta de possibilidades mas a presença delas, pois isso permite calcular riscos e tomar riscos. Quem trabalha com UBER e entrega não tem possibilidades, ou seja, está trabalhando ali pois é o que tem então não há opções. O empreendedorismo, via de regra, acontece em cenário de prosperidade e crescimento econômico e não de depressão pois ele depende do empreendedor identificar uma demanda não atendida e tentar atendê-la mas agora vivemos um cenário de depressão e falta de demanda pois não há novos desejos de consumo.; a demanda está estável, não há nenhum novo mercado surgindo.

Aliás Kogos desconhece a própria escola austríaca pois nela temos o conceito de Bawerk que seria o de circularidade ou produção indireta; este conceito implica em que quando temos taxas de juros mais baixas há um favorecimento a produção indireta pois geralmente produtos industrializados – que são feitos por etapas - demandam grande capital; num cenário de prosperidade econômica os bancos estão mais propensos a conceder crédito, nos de recessão os bancos jogam as taxas lá em cima de modo que os tipos de empreendimento que surgem nas fases de crescimento são de qualidade superior aos que surgem nos de período recessivo. Pensemos num cenário de milagre econômico a 12 por cento de crescimento por ano onde um sujeito quer criar uma fábrica de calculadora que vai exigir algum capital mas não tanto quanto para fazer um smartphone que exige mais tecnologia. Nesse cenário o banco vai liberar esse crédito pois há confiança; num outro cenário – recessivo - o banco não vai liberar crédito e se liberar talvez não seja vantajoso levar a produção de calculadoras a cabo pois a margem de lucro será muito baixa em face as taxas de juros que estarão altas. Suponhamos que o Brasil comece a vender minério de ferro a todo vapor para EUA e China; o que ia acontecer é que esses subempregos ( uberistas, entregadores, etc) iam murchar para dar lugar aos empregos formais pois os reajustes de salários tornarão esses empregos mais vistosos somados a segurança jurídica que oferecem; os empregos informais certamente vão oferecer ganhos mais altos em razão da produtividade geral da economia mas não a ponto de roubar os empregos formais; então há, para sermos aristotélicos, o bom e o mau empreendimento e a tendência é que os melhores empreendimentos nasçam na passagem da fase de recessão para a de crescimento e que os empreendimentos nascidos na fase recessiva desapareçam em face aos maiores ganhos fornecidos pelos empregos formais. Se há uma elevação qualitativa dos padrões de empregos a tendência é que esses empregos mais sofisticados acabassem superando em muito o ganho dos empregos informais. Logo o segredo da produtividade não está numa mera liberalização no setor de serviços como imagina Kogos mas está na dependência da produtividade geral do país o que passa por mudanças nas estruturas produtivas e no estímulo a demanda.


Créditos ao contributo do amigo Arthur Rizzi. 



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