Introdução
Impregnar
as realidades do mundo com o espírito cristão é um dever de todo
católico e São Luís IX foi quem melhor encarnou esse espírito na
política. Num tempo onde tantos católicos se deixam levar pelos
cantos de sereia da esquerda e da direita sem ter como norte da ação
política o Estado Católico, num tempo onde tantos se contentam com
participar de manifestações de mera defesa da lei natural como sói
ocorrer nos chamados movimentos pró vida ou contrários a ideologia
de gênero, defesa que não integra a idéia de cristandade mas
apenas dum combate pela moral natural, nos limites da constituição
laica do Estado atual, São Luís aparece como um farol de luz a nos
indicar a via certa.
A Europa do Século 13
A
época em que São Luís desenvolveu sua atividade foi uma das mais
fecundas da história pois nela desabrochou a arte gótica, a
autonomia das Universidades e a escolástica de Santo Tomás. O
século 13, segundo Regine Pernoud em sua obra Lumiére du Moyen
Age”, é o apogeu duma era que marcou a máxima organicidade da
sociedade medieval, na expressao de Jean de Salisbury. Por sua
complexidade e a multidão de órgãos interligados concorrendo todos
a existência como ao equilíbrio, a sociedade medieval apresentava
notável semelhança com o organismo humano. Senhorias e províncias
ciosas de suas prerrogativas, conquistadas através do tempo,
corporações e Universidades com insenções garantidas pela
tradição em correspondência com o saber dos seus mestres,
respeitadas pelos reis e barões – um admirável mosaico de
direitos e obrigações onde entre o indivíduo e o Estado se
interpunham os corpos intermédios onde o poder era temperado pela
tradição, lei divina e lei natural. Nesta época o poder central do
rei é o árbitro entre os súditos: o poder que ele exerce é um
direito de controle, um poder de julgar as querelas entre os
vassalos, apaziguando a vida social e protegendo os usos e costumes.
São
Luís IX encarnou o chefe de Estado dentro do ideal de Santo Tomás:
o povo não foi feito para o príncipe mas o príncipe para o povo,
levando ao mais alto grau a figura do detentor do poder soberano,
numa sociedade orgânica e de cariz sobrenatural, inspirada pelo
Evangelho como lembra Leão 13:
“Tempo
houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa
época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina
penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas
as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a
religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no
grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente,
graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos
magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si
por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios.
Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda
expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada
como está em inúmeros documentos que artifício algum dos
adversários poderá corromper ou obscurecer.”-
Encíclica Immortale Dei, número 28
São
Luís o pacificador
O
fato de ter vivido em tais condições sociais e politicas que
favoreceram sua função não tira mas antes realça o mérito do
santo rei. Já no século 13 víamos os primeiros sinais de
decadência moral dos reis onde tendiam a se afastar da orientação
da Igreja seguindo, assim uma busca por independência em face ao
poder do Papa. É o que explica, por exemplo, as lutas entre
Frederico II, imperador alemão, e o Papa Inocêncio III, entre os
barões ingleses e os herdeiros do Rei João Sem Terra. São Luís,
fiel às tradições de seus antepassados foi, ao contrário, o
pacificador e justiceiro defensor dos pequenos atingindo a santidade
no exercício do poder público. A grande tentação que sempre
assaltou os governantes foi o orgulho e a busca da glória, vício
oposto às duas virtudes que seu cargo requer, quais sejam a
moderação e a justiça.
São Luís atendendo aos leprosos |
Quando
pediram a São Luís para deixar seus barões combaterem entre si, a
fim de que eles enfraquecessem, respondeu: “ Se eles vissem que eu
os deixo combater poderiam perceber e dizer: o rei nos deixa lutar
por malícia; então eles viriam e, por ódio a mim, me combateriam e
eu perderia e atrairia para mim a cólera divina pois Cristo diz: bem
aventurados os pacíficos”. Por isto o santo rei proibiu toda
guerra privada em seus domínios.
A
virtude da justiça, não menos importante num chefe de Estado, para
o católico se reveste de enorme valor pois foi com ela que os
Evangelhos distinguiram São José: “José, seu esposo, que era
justo”( São Mateus 1, 19). Ela que é uma virtude cardeal, tem
graus. E ela chega ao grau máximo quando significa o sacrifício do
próprio interesse. Foi o que praticou São Luís ao devolver aos
ingleses, mesmo depois de conquistados, os territórios de Quercy, de
Périgord, de Limousin, dizendo: “Estou cero que os antepassados do
rei da Inglaterra perderam tudo por direito de conquista que possuo;
as terras que lhes devolvo não as dou senão para manter na paz e
amizade os meus filhos e os deles que são primos-irmãos. E
parece-me que ainda assim faço bom uso da terra pois o rei da
Inglaterra antes não era meu vassalo e agora será”. E com isto
seu rival mais terrível tornou-se seu súdito, por ter terras na
França e a paz ficou garantida entre os dois países por meio
século.
Não
só nas causas públicas mas também nas privadas Luis IX era o anjo
pacificador da França. Como conta o cronista e biógrafo dele, Jean
Sire de Joinville, onde mostra a disposição do rei de despachar
diretamente os processos durante sua estadia em Vincennes durante o
verão, atendado a cada pessoa em sua petição na medida do justo e
adequado. Por isto Cesar Cantu disse: “Luís IX era São Francisco
de Assis no trono”. São Luís aconselhava o filho nestes termos: “
Faze-te amar pelo povo pois preferiria eu deixar o trono a um escocês
para governar bem que deixá-lo a ti se vier a governar mal”.
O
santo rei fundou vários institutos de beneficência: O hospital dos
cruzados para os cavaleiros que voltavam mutilados das expedições
no Oriente, o Colégio da Sorbonne, abrigos para donzelas, etc.
São
Luís pai da unidade cristã européia.
Regine
Pernoud, na obra citada acima, fala sobre as relações internacionais
na idade média ns seguintes termos: “ Praticamente a cristandade
pode se definir como a universalidade dos príncipes e povos
cristãos, obedecendo a uma mesma doutrina, animados duma mesma fé e
reconhecendo o mesmo magistério espiritual. Ela repousa
essencialmente sobre um acordo ou entente mística entre os povos.
Essa comunidade de fé traduziu-se por uma ordem européia complexa
em suas ramificações e grandiosa...a paz dos séculos 12 e 13 foi
precisamente, segundo a bela definição de Santo Agostinho, a
tranquilidade da ordem”
A
autoridade de São Luís, numa sociedade deste naipe, só poderia ser
enorme. Sua santidade e sabedoria era reconhecida em toda a Europa
mas acima de tudo, sua largueza de vistas políticas ficou evidente
pelas relações com a Inglaterra. Quando o rei Henrique III, filho
de João Sem Terra se nega a reconhecer as autonomias que seu pai
assinara ao chancelar a Carta Magna dos Barões ingleses em 1215, é
a São Luís que os Barões vão recorrer. Na sentença arbitral de
Amiens, o santo fá-los ceder em algumas exigências a Henrique III chegando a um bom termo e trazendo a concórdia
para os dois lados do Canal da Mancha.
Se
entendermos que as cruzadas foram guerras defensivas contra a ameaça
islâmica que dominando todo o Oriente Próximo, invadindo a Espanha
e ameaçando o sul do Mediterrâneo, veremos que São Luís foi o
primeiro defensor da Europa contra as hordas orientais e que sua ida a
Terra Santa como cruzado foi baseada no amor da cristandade, dessa
unidade européia em torno da fé católica.
O
perfeito cavaleiro cristão
Sétima cruzada |
São
Luís foi o modelo perfeito de cavaleiro cristão que, nas cruzadas,
mostrou outras virtudes raras: desprendimento e zelo pela causa da
Igreja. Salientar o seu desprendimento é importante para rebater
historiadores que não veem nas cruzadas senão ambição material.
Claro que houve nas cruzadas e entre os cruzados elementos que, se
aproveitando do entusiasmo geral, faziam valer seu proveito próprio.
Mas a história relata a legenda dourada de cavaleiros que partiram
com real pureza de intenções: Godofredo de Buillion, Tancredo de
Siracusa, Luís VII da França, Conrado da Alemanha, Ricardo Coração
de Leão, mas entre todos brilha São Luís.
Quando
ele, sentindo-se chamado por Deus para a nobre empresa, se ergueu do
leito e, mesmo depois de longa enfermidade, não puderam retê-lo:
sua mão fez longas considerações políticas sobre os ricos da
empresa mas de nada valeram: estava convicto de deixar França e
seguir para salvar a Cristandade de seus inimigos. O seu cronista
Joinville conta como foi amargo deixar terras, castelos, mulher e
filhos à proteção da Igreja para se aventurar no Oriente. O
sacrifício do rei que ia sem saber se voltaria foi imenso. Isto foi
um daqueles atrevimentos cristãos dos quais fala Camões nos
Lusíadas.
No
Oriente o entusiasmo de São Luís levou a conquista de Damieta,
caminho para o Oriente através do Egito. Como bem diz Michaud, a
tática de atacar as cidades do Egito, dificultando a comunicação
do Sultão do Cairo com Jerusalém foi digna dum hábil estrategista.
A queda de Damieta trouxe o pavor aos mouros que voltaram a respeitar
os francos como eram chamados os cavaleiros cruzados. Apesar disso
São Luís não conseguiu liberar Jerusalém por conta das atitudes
quixotecas de seu irmão, o Conde D'Artois, que mandou atacar as
Muralhas de Mansourah, enquanto o grosso do exército estava retido
na travessia do Nilo. Isto resultou a prisão dos chefes cruzados
incluso São Luís. Em razão da devolução de Damieta como resgate,
São Luís fora libertado. O santo rei não quis admitir a devolução
mas sua esposa a rinha Margarida de Navarra, para salvar a vida do
esposo, devolveu a cidade. Depois deste desastre o santo rei ainda
permaneceu no Oriente tentando ajudar os templários e hospitalários
na luta contra os islamitas. Eles que andavam divididos por
rivalidades foram unidos pela mediação de São Luís. O santo
chegou a carregar pedras para reconstruir castelos templários como
um simples pedreiro, o que mostra seu intenso ardor cruzadístico. Em
virtude da morte de sua mãe, Branca de Castela, ela volta a França
mas logo é consumido pela tristeza de ter retornado sem a conquista
de Jerusalém. Logo que obteve víveres e dinheiro voltou para o
Oriente onde tenciona converter o Sultão de Túnis depois de
vencê-lo em batalha. Mas uma epidemia de escorbuto interrompeu o
cerco de Túnis que dizimou o exército católico. O filho de São
Luís, Tristão, morre durante este evento. Por fim o próprio rei
foi atingido e faleceu as 3 horas da tarde - a mesma hora em que
Cristo morreu na cruz – do dia 25 de agosto de 1270, com os braços
em cruz, deitado sobre cinza como poderia aos que o assistiam.
Embora
sem ter conseguido seu objetivo São Luís cobriu-se de glória em
razão de seu zelo destemido pela causa da Igreja. Com sua morte se
desvanecia o maior ideal medieval, o da criação dum reino de Cristo
na cidade onde ele havia sido crucificado e onde lhe recusaram o
trono que lhe era de direito.
Neste
dia 25 de agosto de 2019 em que vivemos um crise de fé jamais vista,
pedimos a São Luís que rogue por nós a fim de que novos cruzados
se levantem no sei da Igreja! Deus Vult!
Professor Rafael G. de Queiroz
Professor Rafael G. de Queiroz
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