Recentemente
o sr. Deputado Marcel Van Hattem deu declarações polêmicas
relacionando a pobreza do Brasil ao facto de ser um país católico e
de colonização lusitana. Hattem repetiu o velho clichê de que
protestantismo é igual a riqueza e desenvolvimento e, com base nesta
pretensa relação, exaltou o modelo social e econômico holandês.
Partindo daí nosso objetivo neste breve artigo é discutir se isto
realmente procede, desde o ponto de vista histórico, ou não.
1-
As origens da prosperidade européia
Primeiro
é preciso situar a assertiva de Hattem: ela está ligada à
conjuntura da expansão comercial européia e de uma sua hegemonia a
partir da era colonial-mercantil, coincidente com o que chamamos
idade moderna, o que corresponde aos séculos 16/17. Foi aí que a
Holanda atingiu a sua independência em face ao Império Espanhol –
alcançada em torno dos anos de 1580 – e que ela virou uma nação
dedicada ao comércio naval, colonização e finanças. Sabe-se que a
Holanda, nesta época, lançou-se em busca dos mercados da Ásia,
África e de colônias na América (Vide o caso da conquista do
nordeste do Brasil, em 1630) sob o influxo de capitais judaicos que
migraram para a região batava, fugindo da península ibérica donde
a inquisição, em sua ação persecutória, expulsava frações
desta burguesia financeira judia ligada, desde a muito, ao ofício de
financiar navegações em troca de lucros advindos das trocas
comerciais e dos monopólios coloniais. Segundo Hattem o sucesso da
Holanda se deveu, sobretudo, à sua cultura protestante. Basicamente
Hattem se vale do argumento de que o capitalismo só amadureceu
graças ao influxo da mentalidade reformada, sem a qual, nem a
Holanda, nem a Europa, teriam dado um salto econômico. Ainda para
Hattem, a reforma, tendo liberado os agentes econômicos de
contribuírem com seus dízimos ao Papa, facilitou a desconcentração
do capital e da propriedade – antes centralizada nas mãos da
Igreja – dinamizando a economia européia e dando, assim, o passo
decisivo para que o capitalismo e a prosperidade econômica se
estabelecessem.
É
preciso examinar se Hattem tem mesmo razão: será que os
instrumentos econômicos criados pelos protestantes foram assim tão
decisivos para a consolidação do dinamismo econômico europeu nos
séculos 16/17? Vejamos.
2-
Teologia e negócios: a práxis e a teoria no mundo católico
Cumpre
destacar neste assunto os importantes contributos da Escola de Altos Estudos de
Paris que, desde 1950, tem ajudado a compreender melhor a vida
comercial, bancária e industrial do fim da idade média.
É
seguro que a teologia católica recusou, bem para além do século
15, o empréstimo a juros sob qualquer título. Os teólogos admitiam
apenas o reembolso das despesas do emprestador, recusando elementos
especulativos no negócio bancário. Condenações a usura nos
Concílios de Lyon(1274) e de Viena(1312) foram renovadas no Concílio
de Latrão de 1515. A posição teórica da teologia católica sobre
usura se manteve constante o que é provado pelas inúmeras obras de
casuística sobre o tema lançadas entre o século 16/17. Porém a
doutrina escolástica sobre o empréstimo a juros aplicasse a um
contexto bem preciso: a proteção dos mais pobres contra os
emprestadores sob caução. Na prática esta doutrina se revelou
inaplicável aos fabricantes de panos que iam dum país a outro e que
precisavam tomar emprestado para manter seu negócio – o que
implicava em risco significativo ao emprestador – e aos banqueiros
que emprestavam a príncipes e papas – sobretudo para financiar
guerras. Os canonistas, nestes casos, tiveram que admitir o princípio
do “dannum emergens”, do “lucrum cessans” e o do “periculum
sortis” ( respectivamente, o cálculo dum possível prejuízo, o
ganho deixado de auferir pelo tempo do empréstimo e o risco de
falência do tomador de empréstimo e o consequente dever de
indenizar).
Isto
tudo se dá no contexto dos séculos da expansão naval européia que
pode ser dividida em duas fases:
A-
A fase inicial ou mediterrânea (séculos 13/14);
B-
A fase madura ou atlântica ( séculos 15/16).
Na
primeira fase as cruzadas tiveram um papel decisivo pois a
necessidade urgente de fornecer víveres às tropas católicas no
oriente exigia a formação de portos e de emprestadores que garantissem
transporte, navios, armas, cavalos e alimentos para os soldados. Isto
trouxe a formação de cidades portuárias como Gênova na Itália,
que não só fornecia suprimentos como recebia as mercadorias que
vinham das praças conquistadas ( ouro, especiarias, tecidos, etc)
que impulsionavam as feiras da época. Os Templários, neste sentido,
criaram as primeiras técnicas comerciais-bancárias avançadas.
Quando
da fundação da Ordem do Templo ela passou a funcionar não só como
milícia católica na Palestina mas como banco, senhora feudal, casa
comercial. Os templários inventaram
o cheque, o que permitia que nobres entregassem suas terras na Europa
para a Ordem em troca de
um resgate em dinheiro vivo que
lhes seria pago na Palestina a
fim de que pudessem comprar armas, contratar homens, construir fortes
e castelos, etc. Esta operação de crédito envolvia não
a usura, proibida na época, mas despesas de comissão, corretagem,
hipoteca e amortização, taxas que
garantiam
um lucro vultoso, dinamizando
a velocidade das trocas na Europa, gerando portanto, as condições
para sua prosperidade.
Por outro lado havia muitas doações de fazendas
e
praças fortes urbanas ao
Templo feitas por príncipes, barões, duques cristãos interessados
em ajudar nas cruzadas. Tais áreas eram livres de dízimas,
impostos, direitos feudais, etc, o
que, evidentemente, favorecia o comércio e a multiplicação de
agentes econômicos privados.
Por outro lado a Ordem se tornou uma corporação comercial que fazia
exploração de minérios na Palestina, vendia armas, mobiliário,
curtumes, lã, etc, o
que representou um avanço industrial no fim do medievo, abrindo
perspectiva para a transição em direção a uma economia
manufatureira.
Seu serviço bancário incluía o transporte de valores em dinheiro
por via marítima assim como o depósito e a guarda de tesouros
reais. Os peregrinos que partiam para a Terra Santa também
designavam à Ordem seus bens em moeda a fim de que não fossem
pilhados no caminho, valor que resgatavam via cartas de crédito. O
papel dos Templários, durante as cruzadas, foi decisivo para criar
um novo modelo de negócio onde a segurança das trocas financeiras
foi
assegurada, tornando o ambiente mais favorável ao comércio e às
atividades financeiras. Outrossim a oferta de moeda pelos bancos
templários pode assegurar que a economia européia não ficasse
paralisada em face ao aumento seja da demanda por produtos do
oriente, seja do afluxo destes produtos, garantindo os meios
financeiros para manter e ampliar as trocas comerciais entre
ocidente e oriente.
Isto
vai resultar que os teólogos passarão a admitir o “trinus
contractus”, ou contrato de participação nos lucros e perdas.
Passou-se a admitir o ágio de uma divisa sobre outra, nas operações
de câmbio. No fim do medievo, o ocidente católico usava amplamente, no dia a dia, o empréstimo a certo juros, camuflado por detrás
dos câmbios de praça e dos empréstimos públicos fixados aos
detentores de títulos como taxa de transação de compra e venda.
Desde 1387 o Bispo de Genebra – muito antes de Calvino chegar por
lá com sua teologia que relacionava salvação e prosperidade –
Ademar Fabri, concedeu à cidade o direito legal do uso do juros com
a condição do respeito às taxas urbanas reguladoras do máximo
permitido. Mesmo os frades mendicantes, que veneravam a pobreza, em
razão de viverem nas cidades e não no campo como os monges,
perceberam a utilidade social do mercador, grandes financiadores da
atividade dos mendicantes. Foi, portanto, dentro do mundo medieval
católico que surgiram as condições sem as quais nem o espírito
capitalista nem o modelo de empresa mercantil internacionalizada,
fulcral para a expansão européia, teriam existido. A legislação
canônica embora impusesse limites morais não bloqueou este
processo. Ela, antes, obrigou os agentes comerciais/financeiros a
criar técnicas legais que permitiam contornar a proibição da
usura, assegurando o crescimento do comércio.
A
reforma protestante, ao inverso, não acelerou, notadamente em seu
começo, o crescimento comercial e financeiro. No século 16 todos os
banqueiros da família Fugger permaneceram católicos. Durante as
guerras de religião de Flandres e na França, a mais importante
praça bancária da Europa seguiu sendo Gênova e seus principais
banqueiros eram espanhóis, florentinos ou genoveses, todos
católicos. Quais eram as maiores empresas industriais do século 16?
As dos Fugger, as minas de alúmen de Tolfa e o arsenal de Veneza,
três empresas católicas. Outrossim Antuérpia, cidade do Flandres,
no decorrer do século 15 e 16 tinha muito mais relevância que a
protestante Amsterdã. O porto antuerpino adquiriu grande relevância
no comércio internacional, com a pioneira fundação de primitiva
"bolsa" na cidade, que rapidamente transformou Antuérpia
num dos mais bem sucedidos centros comerciais e produtores da época.
Os primeiros capitalistas de Antuérpia foram estrangeiros, muitos
deles italianos Duas bolsas funcionavam na cidade, bem antes de
existirem bolsas em Amsterdã: a de mercadorias e a de instrumentos
financeiros, como as letras de câmbio, hipotecas e certificados de
aforro, uma experiência que herdara e melhorara de Bruges. Logo é
falso dizer que a Bolsa de Amsterdã é a primeira da história. Bem
antes dela tal instituição existiu na Antuérpia católica, que,
naquele tempo, era uma cidade cosmopolita, uma comuna livre ao final
da Idade Média, uma cidade de igrejas e de congregações religiosas
católicas, fortemente apoiadas pela população rica. Quando os
católicos portugueses abriram a rota marítima para a Índia,
Antuérpia se tornou um centro de comércio ainda mais proeminente,
porque o rei de Portugal para lá enviava quase tudo que chegava a
Lisboa, vindo da Ásia; as corporações da cidade compravam
carregamentos inteiros que daí seguiam para o resto do mundo
ofuscando o brilho comercial de Veneza. Com os portugueses,
instalou-se igualmente forte colônia mercantil espanhola, passando
os negócios das coroas ibéricas a fazer-se por Antuérpia. Assim,
ao longo do século 16, Antuérpia tornou-se centro da "economia
do mundo". Cabe dizer que o historiador H. Luthy, em sua obra
“La Banque Protestante em France”, mostra que Antuérpia foi
superada por Amsterdã no século 17 não em razão da superioridade
econômica das instituições holandesas mas em face a guerra que
moveu contra sua rival: no dizer de Luthy, “pelo assassinato
metódico de Antuérpia”.
Por
fim a reforma protestante trouxe um desmoronamento econômico na
Alemanha. Enquanto isto, no Principado de Liége, governado por um
príncipe bispo, um estado católico e principado do Sacro Império
Romano Germânico, portanto parte da Alemanha, vivia-se um
boom financeiro sob a direção dos funcionários cônegos do
principado, que promoveram várias inovações econômicas. Na mesma
época a Genebra de Calvino, conforme foi exposto pelo historiador e
economista André Sayoux no artigo publicado na Revue Economique
Internationale “A banca de Genebra nos séculos 16,17 e 18”, não
viu nenhum crescimento capitalista significativo contrariamente ao
que pensaram Weber e Troeltsch. Genebra fora mais parada
economicamente no ´seculo 16, sob controle protestante, que no século 15 quando ali havia feiras e quando os
Médicis, família católica da nobreza italiana, tinham filiais de
seus negócios por lá.
3-
Conclusão: a tese de Hattem é falsa!
A
Holanda protestante-calvinista foi uma força naval/financeira
hegemônica por pouco tempo: basicamente entre 1620/1650, época que
coincide com o avanço batavo sobre o nordeste do Brasil e com o
controle sobre a navegação no Mar do Norte que acabou com os atos
de navegação de Oliver Cromwell em 1652, ano que marca o começo da
hegemonia inglesa nos mares e a consequente queda do poder marítimo
holandês. Segundo Hattem o sucesso do holandês protestante deveria
ser contrastado com o fracasso econômico do Portugal católico mas o
facto é que a Holanda jamais chegou a ter um império marítimo
universal como teve Portugal. Os holandeses exerceram poder numa
breve janela da história do século 17, em boa parte por que
Portugal se encontrava sob ocupação espanhola (1580-1640), a
Espanha envolvida na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a
Inglaterra enfrentava conflitos políticos (Desde a ascensão de
Carlos I nos anos de 1620) que acabaram num guerra civil e na
revolução puritana. O máximo que a Holanda conseguiu consolidar
nesta fase foi um certo domínio sobre o Caribe. Depois de 1648 o
controle Holandês foi destruído na Angola, tendo-a recuperado o rei
português Dom João IV.
Portugal,
diferentemente da Holanda, mesmo sendo um país pequeno, conseguiu
montar o primeiro império verdadeiramente global da história,
espargido por América. África, Ásia, que só viria a cair em 1974,
isto por que os lusitanos souberam transcender as forças da
história, impondo-se sobre suas limitações territoriais até ao
ponto de moldar a história, feito este jamais igualado pela Holanda.
O legado do Portugal católico, país de cruzados, aventureiros e
navegantes pioneiros, para a história mundial, é muito mais
significativo que o da Holanda protestante, um país de lojistas/
banqueiros e atravessadores; a diferença entre Portugal e Holanda é,
ainda, aquela distinção entre a casta guerreira, dotada da
qualidade de inventar instituições politicas e sociais sólidas
construindo grandes culturas, e a casta dos mercadores, meros
possibilitadores das trocas materiais que, na escala tradicional de
valores, deve ser uma atividade subordinada aos fins estipulados pela
casta guerreira. No máximo o que a casta mercantil consegue criar é
a miragem do “homo economicus” como observou Sombart quando notou
a destruição espiritual e o vazio que o homem criou em torno de si
mesmo, depois que ele se tornou materialista em seus objetivos últimos - obra da
reforma protestante - e um grande empreendedor capitalista o que
forçou-o a transformar sua atividade (lucro, negócios,
prosperidade) num fim em si mesma, para amá-la e desejá-la pelo seu
próprio propósito até que ele caisse vítima da vertigem do abismo
e o horror de uma vida que é totalmente sem sentido. Se a reforma
teve um “mérito” econômico foi este: o de subordinar todas as
atividades humanas a um fim material, na medida em que fez do
trabalho um fim e não mais um meio para atingir fins superiores.
Nada define melhor o espírito holandês que isto. Todavia, é preciso dizer que a reforma protestante forneceu apenas uma nova justificação para a atividade de fazer dinheiro: no plano da técnica econômica, a Holanda e o mundo protestante não tiveram o
pioneirismo que o ocidente católico teve já que, muito antes dele
já havia criado, como demonstramos, os meios materiais da expansão
econômica européia – que aliás, sem o espírito guerreiro e
aventureiro português singrando os mares e abrindo os caminhos do globo, teriam sido ineficazes por
si sós.
Bibliografia
Fanfany,
A. Cattolicesimo e protestantesimo nella formazione storica del
capitalismo. Roma, Saggi, 2006.
Heers,
J. L'Occident aux XIV et XV siécles. Paris, Nouvelle Clio, Paris,
1963.
Luthy,
H. La banque protestante en France de la révocation de l’édit de
Nantes à la révolution. Ecole Pratique des Hautes Etudes, Vlème
section, Centre de Recherches Historiques. Collection “Affaires et
gens d’affaires", XIX. Tome I.
Sombart,
W. Le Bourgeois. Paris, 1926.
Todos erraram, e historicamente a reforma protestante teve sua importância e seus erros bem como ao ver uma dissidência traumática melhorou e reposicionou Roma.
ResponderExcluirSão instituições que: se desconsiderarmos os aspectos divinos, o ego orgulho e arrogância de líderes criaram estas circunstâncias.
A vida é assim, sem revisionismos, ou vamos negar que o mundo protestante alcançou um bem-estar social maior que o católico?
Bem-estar social maior que o católico?Compare a Polônia católica com a Namíbia (que tem mais luteranos praticantes que a Alemanha).Protestantismo é uma desgraça, como se qualquer imbecil pudesse interpretar as sagradas escrituras do jeito que quiser e todos estão certos no final(???).
ExcluirParabéns, Rafael, pelo brilhante texto. É claro que nosso amigo Vão Rato vai defender seus ancestrais (pelo sobrenome), mas os racistas holandeses, apoiados financeiramente pelos artífices do protestantismo, que foram (e são) os sugadores vampirescos judeus talmudistas, vão roubar o conhecimento náutico lusitano, para perpetrar toda gama de atos de pirataria e exploração predatória e parasitária dos povos que cairam em suas mãos. E eles tiveram um forte concorrente: a famigerada e protossionista Inglaterra, empregadora dos mesmos recursos brutais, exterminadores de povos e roubo de ideias e riquezas alheias, bem parecidos com seus amos judeus. Graças a Deus somos filhos espirituais de Portugal, verdadeiro agente civilizador, forjado em sua vocação ímpar de glorificar a Deus e Sua Mãe em todas as partes do mundo.
ResponderExcluirAmém!
ExcluirEssa lenga-lenga acerca do desenvolvimento do Ocidente dever-se ao protestantismo é realmente maçante. Até parece que não existiam universidades na Europa antes da Reforma. A arte e a arquitetura góticas, com suas notáveis soluções para o peso e o equilíbrio das construções, vicejaram e desenvolveram-se na Europa católica. E as técnicas agrícolas foram tão eficientes e eficazes no período, que, mesmo em meio a uma intensa atividade agrícola durante seculos, os solos europeus nunca sofreram a desertificação. No mais, foram as forças católicas as únicas a impedir que a Europa sucumbisse aos muçulmanos, mais numerosos e, tecnologicamente, mais potentes à época.
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