terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Jack Donovan e seu Masculinismo não representam o Patriarcado


 


Dia destes nos deparamos com uma reportagem do The Intercept assinada por Rosana Pinheiro destacando a figura de Jack Donovan como representativa do “machismo”, conceito que reuniria num só gênero diversas espécies como o patriarcalismo tradicional, o fascismo e o ideal masculinista de Donovan. Evidentemente isto só existe na cabeça da jornalista em destaque dado que o Patriarcado tradicional e o fascismo – que descende da antiga tradição imperial romana, portando do modelo patriarcal latino - recusam o modelo masculinista por várias razões.


Primeiro é preciso elencar o que é Patriarcado que consiste numa preponderância do Pai sobre um clã familiar, um agregado extenso de pessoas que consubstanciam uma parentela. Neste quadro temos alguns modelos clássicos como o do patriarca hebreu, romano e grego.


Entre os Hebreus o Pai era chefe militar e juiz do clã. Abraão é um exemplo bem acabado do patriarca hebraico: ele controlava e dividia as funções dentro do clã, decidia que extensões das estepes cabia a cada núcleo familiar usar para alimentar seus rebanhos, tinha ingerência sobre casamentos e acordos com outros povos, etc. O Patriarca era uma espécie de Rei que tinha deveres para com parentes, esposas e filhos, estando atrelado a fortes obrigações éticas; caso não as cumprisse poderia ser derrubado por outro homem do clã que fizesse jus a tais deveres.


Entre os romanos os Pater eram chefes de clãs que se identificavam em razão dos deuses que adoravam e dos antepassados que honravam: portanto eles eram reis-sacerdotes. Entre suas obrigações estavam a manutenção do culto aos antepassados e das virtudes ancestrais. A dedicação a família, a esposa e aos filhos marcava o ethos do Pater romano sempre ocupado em manter a honra, a propriedade e a segurança da linhagem.


Entre os gregos o culto da Andreia (virilidade em grego) marca a cultura do Patriarca. Na Grécia o Pai era, nas origens da sociedade helênica, o Basileus, o rei duma tribo. Seus direitos envolviam a ordenação das atividades de produção no Oikos, terra comunal donde a família extraía sua subsistência. Isto exigia do Basileus que atuasse como chefe militar e administrador. Foi da atividade dos Patriarcas-Basileus que surgiram as primeiras aldeias muralhadas da Grécia, gênese das Cidades-Estado. Assim o Patriarca e o ideal de Homem se associaram para forjar a idéia de que ser viril é ser heróico o que quer dizer estar disposto a sacrificar-se pela Pólis e pela segurança de mulher e filhos, pondo o homem a serviço duma Idéia mais alta que ele mesmo enquanto indivíduo.


A história ensina que a elevação dum padrão cultural está diretamente ligada a um esforço moral e a uma disciplina social para alcançá-lo. Nas sociedades matrilineares, os padrões morais eram mais frouxos pois se baseavam no culto da deusa mãe, em ritos de fecundidade da natureza onde reinava a licenciosidade sexual. Tais sociedades exigiam menos esforço moral e menor grau de repressão sexual o que impedia a sublimação da energia sexual em energia criativa na arte, filosofia, religião, etc. A família patriarcal por sua vez exige mais da natureza humana pois solicita virgindade e auto sacríficio da esposa, obediência e disciplina por parte dos filhos e um pesado ônus de responsabilidade ao pai que tem de submeter seus sentimentos pessoais aos interesses da família. Isso faz dela algo SUPERIOR. Tal família não se restringe mais à função primária de reprodução sexual mas passa a ser um eixo de organização social, política, econômica e cultural de alta complexidade donde brotam valores como piedade, honra, modéstia e religião. Platão dirá que com a família patriarcal nasce no homem o sentimento da eternidade, de ultrapassar o tempo deixando depois de si filhos que possam cultuar os deuses e continuar uma tradição moral.


O masculinismo de Jack, como podemos ver, se diferencia radicalmente do Patriarcalismo. Seu ideal é brutalista, a força é a “virtude” básica do macho. Seu masculinismo vai além daquele pensado por canalhas morais que, se valendo da liberação sexual da fêmea, pensam em levar uma vida de sexo sem compromisso onde o objetivo passa a ser “meter a pica e deixar na pista”, como dirão tais degenerados. Essa cena masculinista inicialmente calcada nas idéias de Nesahan Alita, que exprimia um ressentimento ante a figura feminina moderna como sendo de uma vadia que, depois de temporadas de fornicação com os machos alfa, procura um cara médio para ser seu “cuck” - referência ao pássaro Cuco que cria o filho de outros machos – ressentimento até certo ponto justificado mas mal resolvido pois incapaz de oferecer uma solução moralizante à crise provocada pela revolução sexual, foi a base donde as sandices de Jack se desenvolveram. E isto serve de alerta a sujeitos que flertam com o ideário MGTOW, Canal do Búfalo, Blog Silvio Koerich: o futuro deles é virarem Donovan, o sodomita “viril”.


No Patriarcado a força é elemento importante mas está a serviço de uma Idéia, dum Deus, duma Tradição, duma Moral. Não é fim mas meio para realizações civilizatórias. Donovan recusa a associação do homem a mulher e prefere que homens vivam organizados em gangues a sodomizar uns aos outros. Na Grécia Antiga o máximo admitido era um rito de passagem onde jovens ficavam sob treinamento e tutoria militar de Erastas para aprender as virtudes masculinas que envolviam uma filo-sodomização pelo erômeno – o rapaz iniciado nos ritos másculos era encoxado pelo Erasta sem que isso envolvesse penetração anal a fim de indicar, apenas, a dominação, hierarquia e a virilidade do Pater; o rito em tela não envolvia paixão sexual. Logo depois desses ritos de passagem o homem deveria se associar pelo resto da vida em casamento a uma mulher. Jack recusa isso. Ele prefere que homens vivam em comunas-gangues; o sexo com mulheres seria restrito a fins reprodutivos e estaria descolado de casamento o que levaria, por tabela, a destruição das linhagens familiares restando apenas comunidades másculas sem parentesco, baseadas unicamente em gostos comuns por caçadas, artes marciais, uma “tribo” fundada nos gostos pessoais dos membros: nada mais Pós-Moderno que isso mas Donovan jura que está lutando contra a Modernidade feminizante. Ao que tudo indica a sua mentalidade masculinista foi feminizada também pois Jack não é outra coisa senão produto da pós modernidade da qual emerge o feminismo defendido por Rosana Pinheiro do The Intercept que consiste na ideologia da supremacia do desejo individual sobre a razão, tradição, religião. As sandices de Jack são o lado B, a outra face do feminismo atual: da mesma forma que essas recusam o “macho opressor” e preferem relações lésbicas, Donavan rejeita a fêmea absolutamente em prol das pequenas tribos de homens.


Jack é também um identitário como são as feministas de esquerda. Ele exalta as identidades tribais da América do Norte e defende organizações tribais de homens brancos contra o multiculturalismo. Ou seja, contra o tribalismo de esquerda ele propõe outro por isso se filiou a Igreja de Satanás e ao Wolfs Of Vinland, organização Odinista que nasceu de gangues de motoqueiros pagãos cujos membros incendeiam Igrejas como foi o caso de Maurice Michaely. Para fugir da Modernidade, Donovan preconiza um pensamento tribal: os esquerdistas foucaltianos, as feministas, o movimento LGBT, tudo que ele recusa mais que estão igualmente empenhados na demolição da razão, agradecem o serviço prestado por Jack.


Isto posto vemos que a tentativa de aproximar o masculinismo de Donovan ao Patriarcado é frustra, a senhora Pinheiro está mais próxima dele do que pensa e nós do Patriarcalismo é que representamos a solução para o caos civilizatório no qual feministas e masculinistas querem nos lançar.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Quando Dugin se converte ao Olavismo ou a confusão sobre Trump, Trumpismo e USA

 







Quem conhece o debate havido outrora entre Dugin e Olavo a respeito do papel dos EUA na Nova Ordem Mundial sabe que as perspectivas de cada um deles eram inconciliáveis. Primeiro por que Dugin indicava acertadamente que as três possibilidades de ação para os USA, no pós queda da URSS em termos de política internacional, se articulam em torno dum mesmo eixo: consolidar a hegemonia dos EUA no Globo. Estas três possibilidades são:


A- O neoconservadorismo do Partido Republicano representado pelos governos de Bush pai e Bush filho onde através de intervenções unilaterais se objetiva espalhar as instituições americanas pelo mundo garantindo assim os interesses nacionais estadunidenses contra arroubos de líderes ditatoriais antiamericanos que poderiam desestabilizar o cenário externo, pondo em xeque o domínio dos USA.


B- O multilateralismo do Partido Democrata que busca construir uma governança global ao lado de aliados como os países da Europa Ocidental mais o Japão.


C- O Globalismo do CFR que pretende dissolver as soberanias nacionais criando um Governo Global sob auspícios da super classe mundialista que coincide com os plutocratas dos EUA e Europa.


Nos três casos o que teríamos é, de qualquer modo, a Hegemonia dos valores americanos, dos direitos humanos universais, do modelo democrático liberal, secular e laico, a prevalência dos direitos individuais, etc; o que diferencia cada projeto é o modo e a forma de implementar essa hegemonia como o modo e a forma da inserção das elites nela (No caso dum Governo Global a la CFR as nações teriam direito de voz num parlamento mundial, algo similar ao que já acontece na Assembleia Geral da ONU; não há que se falar aí duma ditadura como alguns conspirólogos vulgares fazem mas dum sistema federativo o que não quer dizer que isso não signifique uma ameaça aos povos já que suas vozes seriam deveras diluídas num sistema piramidal). Em resumo: em qualquer dos casos a Plataforma de Desenvolvimento dessa dominação seria a tradição política americana como veículo privilegiado do Iluminismo. Para Dugin a única atitude possível ante este quadro seria uma posição anti-imperialista e anti- americana o que significa recusar a hegemonia dos USA sob que forma aparecesse.


A. Dugin ressaltava, na época, um erro crasso na análise feita por Olavo de Carvalho quanto ao ocidente ser “dividido” entre os globalistas corrompidos e o ocidente profundo, livre do progressismo avançado que caracteriza os globalistas, e que seria a base duma resistência ao mesmo: para Dugin não haveria um ocidente profundo x o ocidente globalista, ambos seriam faces da mesma moeda do materialismo individualista nascido do Iluminismo: assim os EUA, o individualismo, a moral laica que marginaliza religiões, a redução ou supressão das soberanias nacionais, o universalismo demo-liberal, o governo global, são todas facetas duma mesma realidade, segundo o que expôs com competência o pensador russo no debate em tela.


Todavia desde a ascensão de Trump, em 2016, Dugin começou a flertar com a posição de Carvalho quando Donald montou sua campanha inteira com base numa proposta de isolacionismo em política externa e combate as elites políticas tradicionais em termos de política interna. Ignorando o lema da campanha “Fazer a América Grande de Novo” que exprimia o desejo de recuperar uma hegemonia combalida pela ascensão da China e contrapesada pelo multilateralismo do governo Obama, Dugin se deixou seduzir pelo discurso que apelava para um EUA profundo contra o EUA fabricado pelas elites, exatamente o mesmo esquema de pensamento de Olavo. Logo que Trump começou seu governo Dugin ficou decepcionado pelo fato dele ter sido capturado pelos falcões neocons nestes termos:


A decisão formal de atacar [A Síria] foi tomada por Donald Trump. Ao fazê-lo, ele deixou de ser Trump, e se tornou Hillary disfarçada de homem, um tipo de travesti. Tudo contra o que Trump lutou ao longo de sua campanha eleitoral e que ele prometeu mudar foi assinado por ele hoje. Portanto, não foi ele que tomou a decisão. Ele simplesmente mostrou que, a partir desse momento, ele não é capaz de decidir nada”- https://legio-victrix.blogspot.com/2017/04/aleksandr-dugin-terceira-guerra-mundial.html


Trump era apenas um homem e não um movimento e não possuía uma base, tampouco nomes nem um programa estruturado para fazer um governo alternativo àquelas três possibilidades descritas acima. Restou buscar velhos conhecidos no seu partido e apelar ao neoconservadorismo de Jhon Bolton e ao libertarianismo de Mike Pompeo, ou seja, ao intervencionismo beligerante e imperialista e ao individualismo.


Cabe dizer que havia a expectativa de Dugin e dos dissidentes em torno de Trump envolvia ilusões como a que ele iria mandar Hillary para a cadeia, que restauraria relações amistosas com Rússia, Irã, China e Síria, que acabaria com a Otan, etc. Evidente que nós jamais acreditamos nisso. Quem em sã consciência poderia apostar tão alto quando Trump dizia “Great America Make Again”? Lógico que víamos sua eleição sob uma ótica prática: se Trump for se concentrar mais nos problemas internos que externos, então teremos uma janela de oportunidade para destravar nosso desenvolvimento nacional. Era só isso, ir além dessa avaliação parcimoniosa era loucura ou ignorância profunda sobre a natureza dos USA ou, quiçá, desejo de acreditar que algo estava mudando, um sonho ou fantasia de quem pensa que prostitutas vão todas virar algum dia uma Maria Madalena. Nada disso aconteceu: Trump fez guerra comercial com a China, bombardeou a Síria, sancionou empresas russas, matou Soleimani, general iraniano, interveio no Iêmen, etc. Dugin e os dissidentes falharam em suas previsões otimistas para não dizer surreais.


Eis o herói anti-globalista!


Agora tudo volta ao que fora antes da decepção causada pelo bombardeio da Síria: Donald Trump virou, mais uma vez no discurso dissidente, o campeão do povo, como podemos ver em recente artigo de A. Dugin publicado pelo site olavista Brasil sem Medo (https://brasilsemmedo.com/alexander-dugin-o-grande-despertar/?fbclid=IwAR0lhj7TMEkVVo2lrUYtmxcdysJLXohiqfzkdiQQZFdFX4nUHTqZ4q-nz7o).


Obviamente tudo isto não passa dum absurdo. Trump fez fortuna dentro do nicho imobiliário estadunidense, um setor altamente ligado a especulação a e as altas finanças – lembro que a crise econômica de 2008, causada por rentismo, começou no setor imobiliário – nos quais o bilionário travou contatos com figuras sinistras como Roger Stones (um marketeiro libertário que apoia pauta lgbt e drogas que ajudou Trump a chegar ao poder) e Epstein, um ricaço pedófilo que promovia festas movidas a orgias com meninas de 13 anos. Trump que é também um dos pais da cultura "coach empresarial" (leia-se, "babaovismo"/"capachismo" empresarial) influenciador de figuras como Max Gehringer, Justus, e cia, que acham que funcionário tem comer até bosta de chefe e cliente para servir bem a empresa, agora é tido como o timoneiro das massas, o herói popular americano que vai salvar o país da corrosão moral inata a América.


O buraco, contudo, é menos embaixo do que pensa a imaginação fértil dessa gente. Trump é um fenômeno tornado possível graças ao espaço que as BigRedes deram a ele esses anos todos. Claro que é preciso discutir a ingerência dessas redes sociais na liberdade de expressão mas isto não autoriza caracterizar o fenômeno Trump ou o Trumpismo como a “outra América” que na verdade não passa da mesma América que no fundo é dupla: racista, protestante, conservadora e supremacista dum lado, cosmopolita, maçônica, secularista e materialista do outro. Como mostramos neste artigo (https://catolicidadetradit.blogspot.com/2020/11/trump-nao-e-o-anti-sistema-luta-pelo.html) Trump não passa duma realocação do Império, tendo tido, durante todo seu governo, apoio da maioria dos setores de Wall Street só vindo a perdê-lo no segundo semestre de 2020 quando figurões do mundo financeiro ficaram céticos quanto a sua renúncia fiscal ser capaz de recuperar a economia americana ante a pandemia.


É bem verdade que Trump polariza a insatisfação de parcelas do povo com o sistema americano cuja fachada é democrática mas a realidade oligárquica mas não nos enganemos: essa insatisfação não tem a mínima chance de se tornar eficaz pois falta conscientização. Primeiro por que Trump é também um oligarca preso a oligarcas e a dinastias como a histórica dinastia Rothschild, basta ver como o barão David René de Rotshchild apoia Trump no poderoso Congresso Mundial Judaico que ele preside. Segundo por que o movimento que invadiu o Capitólio se embasa nos ideais americanos – que construíram o sistema – ou será que ninguém viu as bandeiras do Tea Party tremulando no meio da multidão? Terceiro por que a direita trumpista está dentro da semântica democrática, que no fim é a semântica americanista que dá base ao progressismo democrata! A “deusa” democracia jamais é posta em questão mesmo pelos que se enxergam como anti-sistema, o que aponta para uma cegueira fatal afinal foi a institucionalidade legal democrática que permitiu a ascensão das oligarquias ao poder. O economista pró Trump Paul Craig Roberts, por exemplo, de modo esquizofrênico, apela a Primeira Emenda para defender a causa trumpista esquecendo que foi com ela na mão que o mass media boicotou o governo Trump por 4 anos sem que ele pudesse fazer nada. Só uma refundação dos USA em bases fascistas e iliberais poderia resolver o quadro mas isso exigira uma conversão do povo americano o que é improvável.


Diante do exposto resta ao sr. A. Dugin e aos seus alunos dissidentes se matricularem no COF de Olavo e redigirem uma nota pública decretando a vitória de Carvalho no debate sobre o EUA e a Nova Ordem Mundial. Eles, ao que tudo indica, abandonaram o fronte de luta anti-americano – até que uma nova decepção os faça abandonar suas fantasias - mas nós, aqui, daremos seguimento ao embate intelectual contra o Grande Satã em sua dupla face, democrata e republicana, ensimesmada e cosmopolita, qual o deus pagão romano janus!