sábado, 7 de março de 2015

Erros de Pe. Paulo Ricardo sobre o capitalismo!




Nosso objetivo, neste simples artigo, é analisar o que o Pe. Paulo Ricardo, padre neoconservador próximo da olavosfera, anda dizendo sobre a natureza do capitalismo. Com isso não queremos desmerecer o que de bom ele fez e faz mas sim dar a cada coisa que diz seu peso:  o que é bom deve ser elogiado e o que é mau combatido. 

Apresentamos as principais proposições dele, expostas no vídeo recente (Aqui: https://www.youtube.com/watch?v=xQFyp6rOHp8)  buscaremos refutar as mesmas, uma a uma, quando se mostrarem errôneas:

(Obs: em negrito as falas do padre; abaixo nossa resposta)

Pe. Paulo aduz, a respeito do capitalismo, que: 

1- Foram os bancos centrais independentes do governo que permitiram a revolução industrial. 

Falso: a revolução industrial foi um fenômeno complexo que não dependeu exclusivamente dos bancos centrais que, a bem dizer, nem existiam no século 18 quando ela começou. Os fatores decisivos para o desencadear da mesma foi o acúmulo de capital pelos ingleses ao longo do século 17 por via do comércio naval, o espírito inventivo dos mesmos, a revolução newtoniana que trouxe uma série de novos saberes sobre a física e a mecânica permitido a criação de máquinas e os cercamentos que liberaram a mão de obra dos camponeses para os serviços urbanos. Os primeiros industriais não precisavam de grana emprestada pois foi justamente o fato de que eles eram capitalizados o que permitiu o salto industrial que exigia investir numa nova forma de produzir, coisa possível apenas a quem tivesse capital de sobra para correr riscos: no século 18 o produtor era ao mesmo tempo comerciante e já trazia um capital inicial conquistado por via mercantil. É claro que, depois, o capital necessário para  dar continuidade ao processo de revolução nas técnicas de produção se aumentará em razão da ampliação do mercado. Mas isso é efeito e não causa da revolução industrial. 

2- Nos Bancos Centrais acionavam a máquina de fazer grana e emprestavam a quem estivesse produzindo uma locomotiva; aquela grana emprestada resultava numa riqueza 10 vezes maior depois de aplicada, pois com a locomotiva se gerava renda.

Sim, verdade mas no tocante ao contexto do século 19 que é quando nascem os Bancos Centrais; esse processo, todavia, concentrou a riqueza no setor de capital via juros. O setor bancário, graças a tal operação, ficava com a maior parte do "bolo" sem ter produzido nada de efetivo.

Pe. Paulo aqui pratica a mais descarada desinformação sobre o papel dos bancos no capitalismo. Sua fala legitima suas atividades. Nada diz o padre sobre a máfia judaica que, nos albores do século 19, se apossou das maiores casas bancárias, através da concentração de capital nesses mesmos bancos centrais e alguns bancos privados que atuavam, na prática, como bancos centrais. A quem ele serve com isso? Creio que não preciso dizer. 

3- Emprestar grana não gera inflação; só quando o empréstimo é feito ao estado pois o estado não produz riqueza mas só despesa. 

O Estado produz moeda que é a principal fonte de riqueza no capitalismo. Os bancos emprestam a moeda emitida pelo Estado.  Ademais se o Estado tiver empresas então vai gerar riqueza. O que gera inflação não é empréstimo ao estado mas dissonância entre quantidade de moeda e mercadorias. A retórico do Padre em tela é a reprodução vulgar dos preconceitos e falsificações da Escola Austríaca de Economia, que o seu guru, Olavo de Carvalho, preconiza, Escola essa que tem em Mises, que acusa a Igreja de ser uma instituição que atrasou o progresso da humanidade, um dos seus principais representantes.

4- O sistema bancário foi uma invenção genial que na revolução industrial começou a produzir uma riqueza fantástica. 

Padre Paulo tem um claro objetivo: legitimar a máfia judia-liberal que mantém os povos sob a dominação do vil metal, Não que o dinheiro em si seja um mal (ele é um instrumento e se torna mau se o uso dado for mau) mas o sistema bancário atual é usurário, prática condenada pela Igreja. Já no Mercantilismo os bancos deixaram de ser depósitos de dinheiro para virarem instituições de financiamento do comércio através do juros, o que permitia o surgimento duma classe de investidores que viviam apenas do seu rendimento sem precisar produzir, uma casta de parasitas que vivem de juros. 

5- Aí a sociedade começou a ficar obcecada por grana e os liberais são a raiz do erro de considerar a economia como a base da sociedade. 

Nisto o Padre acerta mas deixa de nomear a causa: a operação da máfia liberal em transformar a moeda e o trabalho em produto regido pela lei de oferta e procura.  Como seria possível existir capitalismo sem isso? E como seria possível num sistema desses as pessoas não ficarem obcecadas por grana se dela passava a depender tudo? Basta lembrar o contexto pré industrial onde as pessoas ainda podiam trocar produtos por serviços e produtos por outros produtosAntes do capitalismo a terra não podia ser vendida mas apenas herdada ou arrendada, compartilhada, etc; o trabalho não era medido em um valor monetário chamado salário; era possível, por exemplo, viver sem dinheiro, produzindo numa terra e trocando o excedente da sua produção no mercado local por outros produtos; era possível empregar o trabalho sem remunerar com moeda. Depois, com a superconcentração do capital monetário nos bancos depois do começo da era industrial essa tendência a acumulação sem limites se consolidou. Mas segundo o Padre Paulo o sistema bancário foi uma invenção genial. Certamente, mas para quem? 

6- É costume associar os EUA ao capitalismo mas quando ela nasceu ela não foi fundada na obsessão por grana. Os EUA não foram fundados numa realidade que é a economia mas sim nas virtudes cívicas baseadas na obra de Montesquieu. Os EUA eram uma nação agrária em 1776. As instituições dos EUA permitiam que, com suas leis, eles conseguissem promover a virtude. Os protestantes praticavam a virtude, os EUA eram um país cristão. Se tivéssemos isso aqui no Brasil já estaria bom . Mas os EUA não criaram instituições que permitiram a educação das massas nas virtudes cívicas. 

As treze colônias - que depois se tornaram os EUA - só foram viabilizadas pelo espírito calvinista que enxergava prosperidade como graça divina. Foi com base nesse espírito que cresceu o comércio triangular feito pelos colonos do norte: os mesmos negociavam desde escravos, bebidas (rum sobretudo) e tabaco, do qual os calvinistas não podiam fazer uso em razão de seu estrito puritanismo. Ora, puritanos que vendem bebidas e tabaco, produtos que consideram pecado seu uso, não poderiam estar a fazer isso por razões morais mas tão só por interesse capitalista. Não saber disso é o cúmulo da ignorância histórica ou, quem sabe, desinformação pensada. Depois a independência dos EUA teve como uma das motivações centrais a revolta contra as "leis intoleráveis" assim chamadas pois impostas pela coroa britânica no sentido de cobrar impostos sobre o chá, o açúcar, os jornais, etc. Em resumo: a motivação básica da independência foi dinheiro. Os colonos começaram a pagar altos impostos e se rebelaram contra o rei.  

Que "virtudes cívicas" fundaram os EUA sabemos: as mesmas que fizeram  a revolução francesa e que alijaram a Igreja do espaço público, marginalizando a ordem da graça no que tange a organização política da sociedade ocidental. Tais virtudes cívicas nada mais são que o naturalismo político, avesso a fé e postuladora da laicidade. 

Em 1776 os EUA não eram uma nação mas estavam, ainda, na luta pela independência. E agrário era o sul, o norte era urbano e comercial. 

Não foi Montesquieu o inspirador da revolução americana mas Locke que via o direito natural como algo imanente, ligado ao estado de natureza, onde o homem vivia livre de leis (sejam de que tipo fossem). Para Locke a melhor sociedade seria onde houvesse menos leis e onde o indivíduo pudesse usar sua propriedade da maneira mais desimpedida possível. A noção de direito natural de Locke, não depende da idéia de natureza moral do homem; para Locke a lei natural não deve ser regulada por uma lei eterna, como em Santo Tomás. Para Locke o direito natural está ligado tão só a vontade individual.  Não a toa o mesmo Locke entendia que o direito de propriedade era regulado tão só pela razão individual, sendo portanto, absoluto: eis aí o ethos dos USA. 

7- Padre Paulo descola a virtude protestante do espírito do capitalismo. Nos EUA havia virtudes, na Inglaterra não mas tão só obsessão pelo vil metal. 

Quer dizer, Padre Paulo faz uma concessão: a Inglaterra se tornava, cada vez mais uma sociedade materialista. Os EUA, ao contrário, preservavam a tradição, a virtude, etc.  A tentativa de salvar os EUA é clara: visa dar apoio - ainda que tácito - a civilização americana -profundamente maçônica em suas bases ideológicas,e atrair os católicos incautos para que façam o mesmo.  Não nos admiremos: Padre Paulo é discípulo do guru americanista Olavo de Carvalho. 

8- O cristianismo não tem receita política-econômica; no islão tem isso, existem leis a serem aplicadas; já o cristianismo não: ele tem uma palavra mas que deixa as pessoas livres para construir uma civilização; não existem fórmulas prontas para implantar um civilização cristã. 

O cristianismo tem leis: os mandamentos. Claro que não tem uma constituição civil, mas nem o Islão tem: o que acontece é que o Islão não distingue religião de sociedade ou estado. Assim sendo, ele aplica as mesmas leis da religião à sociedade. O dito "o cristianismo não tem fórmulas prontas" é uma meia verdade pois embora não tenhamos uma lei civil temos princípios que podem iluminar a construção de uma: foi com base nisso que na idade média surgiu a cristandade ou sociedade cristã; nesta é preciso que os mandamentos sejam transplantados em fórmulas sociais; o cristão não é indiferente a organização social de um povo ou estado: se ela afeta tais mandamentos devemos condená-la. É o caso do capitalismo. 

9- A base da sociedade para a Igreja não é a economia nem as virtudes cívicas mas a família. Quando você junta famílias o que nasce desse organismo tem a mesma cara da família. Então a base da sociedade não são as virtudes cívicas mas as virtudes humanas. 

Novamente Padre Paulo, instado pelo naturalismo político, fala só de virtudes humanas, esquecendo que na ordem social cristã deve existir uma combinação entre ordem natural e ordem da graça. Ele enfoca apenas a ordem natural e esquece da ordem da graça, como todo bom naturalista. Por outro lado Santo Agostinho diz que a reunião das famílias é que gera a Cidade, a Urbe, que é uma realidade bem diferente da família pois o direito que a rege é privado, já o direito que rege a Urbe é público. Outrossim, antes do capitalismo o sistema de produção era familiar, de modo que economia e família eram faces da mesma moeda: aliás o termo "economia" que nasceu na Grécia Antiga significa arte de administrar o Oikos, a casa. 

10 - Santo Tomás sobre as leis humanas: está presente no homem naturalmente uma certa aptidão para a virtude mas quem não segue as virtudes precisa de leis. Como humanizar as pessoas na virtude, uma educação, uma disciplina? A pessoa precisa de aprendizado. 

Mais uma vez ele esquece da graça. Fala de educação só em termos naturais. E quem vai educar para ele é o guru Olavo: ou seja, a solução para a questão social e política segundo o padre é só de ordem cultural. 

11- O projeto da Igreja não é construir sociedades baseadas na economia, mas sim nas virtudes, no amor. A política de Montesquieu visa o bem comum. É preciso criar na sociedade meios e instituições que promovam a virtude; isso só uma profunda evangelização (nova evangelização????) 

O sacerdote não especifica de que tipo de amor está falando mas podemos deduzir que seja do amor natural. Segundo o padre Paulo basta educar as pessoas com...Montesquieu (Pasmem)! Isso criará o bem comum e virtude, obviamente, virtude meramente natural. Novamente ele ignora a ordem da graça na constituição política da cidade cristã. Aliás padre Paulo ignora o tema da cidade cristã. Para ele foi tempo em que era pertinente falar disso: seu enfoque é a cidade laical moderna. 

12- Essa realidade das virtudes cívicas já é uma deterioração em relação a Santo Tomás e Aristóteles

Padre Paulo aqui parece revalorizar a ideia de lei natural no sentido clássico, pois virtude cívica é cidadania política apenas. 

13- O socialismo não pode ser corrigido; o capitalismo pode a Igreja recusou nele o individualismo e o primado do capital e da lei do mercado sobre o trabalho humano (ora isso é a essência mesma do capitalismo é o seu traço definidor). Então é preciso regular o mercado com base na justa hierarquia dos valores fundados no bem comum

Padre Paulo mais uma vez ignora a realidade do capitalismo: se a Igreja rejeitou, no capitalismo, o primado do capital, o individualismo e a lei de mercado impondo-se ao trabalho humano, então rejeitou o capitalismo: restaria o que do capitalismo sem esses três pilares? Apenas a divisão do sistema produtivo num pólo do capital e num pólo do trabalho, restaria o capitalismo como sistema produtivo mas sem sua filosofia e sem seu sistema de mercado livre baseado na mão invisível onde o preço dos salários e coisas não pode ser regulado pelo valor justo e sim apenas pela oferta/procura.  Acontece que se a Igreja vê no capitalismo alguns elementos de lei natural ainda de pé, enquanto no comunismo a lei natural é completamente destroçada e abandonada, isso não faz dele em si mesmo algo corrigível - o mau é o mal mesmo quando mal menor e só pode ser corrigido se eliminado. Enquanto primado do capital em que o empregado é visto como peça da engrenagem econômica tendo um valor financeiro expresso pelo salário - a pessoa vale o que o mercado determina que vale - o capitalismo é incorrigível. Se alguém liberta o trabalho humano de lei de oferta e procura o capitalismo como sistema de trocas acaba, já que a prática de usura e lucro irrestrito seria inviável. O salário não podendo ser mais expresso em termos de lei de oferta e procura, ficaria livre dos caprichos do capital: assim todo o sistema econômico teria que ser modificado radicalmente, não restando aí, possibilidade de estabelecer a paga pelo trabalho com base no mercado, logo em estabelecer a paga com base em critérios capitalistas. Nem mesmo a noção de propriedade do capitalismo se salva pois absoluta devendo ser a mesma limitada no seu uso o qual deve ser conforme o bem comum.



14- A Igreja opta pelo capitalismo? Não mas uma certa economia de mercado é necessária.

Padre Paulo age como um sofista ou um dialético aqui: não opta mas opta quando reconhece que certa economia de mercado é necessária. Padre Paulo sabe que não pode dizer que a Igreja opta mas gostaria que tivesse optado: aí faz um jogo de palavras para dizer que, embora não opte, não tem opção: ou é economia de mercado ou comunismo. Mas lembremos que economia de mercado é onde o salário e o preço é definido, apenas, por critérios econômicos, é a separação da economia e da moral, a perda de horizonte do preço justo. 

15 - Por fim ele cita a fala de João Paulo II sobre o capitalismo: 

“Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso econômico e civil? A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por ‘capitalismo’ se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de ‘economia de empresa’, ou de ‘economia de mercado’( , ou simplesmente de ‘economia livre’( livre de que??? leis que a regulem de algum modo???). Mas se por ‘capitalismo’ se entende um sistema onde a liberdade no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa.” 

A questão levantada por João Paulo II é interessante: Pe. Paulo, espertamente, cita a encíclica de João Paulo II fora de seu devido contexto. 

Vejamos: 

Primeiro se a liberdade de mercado significa "liberdade de empresa"( ou seja, liberdade de produzir e vender sem intromissão direta do estado) ela é legítima. Mas o que é concretamente a liberdade de mercado, senão a sujeição dos fatores econômicos, somente, à lei da oferta e procura? Ela vai além, portanto da simples liberdade de empresa: é a liberdade de regular o preço final do produto ou serviço por critérios materialistas. 


O Papa considera, então, apenas a liberdade de empresa algo legítimo - e mesmo assim não em si mesma - e ele deixa claro isso ao fazer a seguinte ressalva: só se ela estiver dentro de um quadro ético que leve em conta a liberdade integral do homem (o que implica na ordem da natureza e na ordem da graça pois o homem é um ser que, integralmente, tem Deus como fim).

Ora, porventura o capitalismo é um sistema que coloca no centro da atividade econômica um eixo ético e religioso? Não, é claro. Ainda mais agora onde, no capitalismo do século 21, a regra básica é o superconsumo, ou seja, a ética do "curta a vida" do goze a todo custo. 

Em suma, o raciocínio do Papa é claro: a liberdade da empresa - de produzir sem intromissão direta do estado- é legítima se existe dentro de um quadro ético onde a liberdade plena do homem seja respeitada. O papa não legitima a lei máxima do capital mas deixa claro que a liberdade de vender algo que eu produzo é justa desde que eu seja ético nas relações que embasam essa produção e sua venda: ele defende a noção de direito a propriedade (que é de lei natural e não algo em si mesmo capitalista, embora o modo de usufruir da mesma no capitalismo seja contrário a lei natural)  mas não a lei férrea da oferta e procura, de caráter puramente material, lei que não leva em conta aspectos morais na ação econômica e na consideração do preço. 

Por fim, podemos dizer que o vídeo do referido padre é uma grande decepção: apesar de ele fazer ressalvas ao capitalismo, o tom geral é de considerá-lo mais positivo que negativo, resultando mais, ao que nos parece, como uma tentativa de americanizar a mentalidade dos católicos brasileiros na mesma via daquilo que vem sendo tentado pelo guru Olavo de Carvalho.