quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Em torno do Halloween como festa neopagã e esotérica


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Festival do Samhain no século 18
Muito se fala a respeito da festa do Halloween, celebrada no dia 31 de outubro sobretudo nos EUA e que merece, por lá, até feriado. Nas últimas década a data se consolidou no Brasil como referência cultural. A data também é celebrada no México como dia dos mortos, envolvendo elementos da antiga cultura asteca no que tange a exaltação do culto aos antepassados, numa tentativa clara de combater a influência da festa norte americana do Halloween, se valendo de símbolos locais. Deste modo é preciso compreender corretamente donde vem a festa em tela, objeto de imensas polêmicas pois há quem diga que ela nada mais é que uma versão popular da festa de todos os santos, tendo origem no calendário da liturgia católica enquanto outros insistem em referi-la unicamente a cultos pré cristãos e pagãos do mundo antigo e até a práticas satânicas. 

Em primeiro lugar é preciso que se diferencie a etimologia da palavra "Halloween" (Termo que se refere diretamente à data de todos os santos: hallow - santo/ eve - véspera; em suma, dia da véspera de todos os santos que cai em 1 de novembro) da festa que lhe dá origem - o Samhain, celebrado pelos celtas e galeses, durante a idade média, na Ilha da Britânia - atual Inglaterra. Durante o século 8 o Papa Gregório 3 mudou a data de todos os santos - antes celebrada dia 13 de maio - para o dia 1 de novembro. O objetivo era claro; substituir o culto do Samhain pelo dia de todos os santos. Na época a Igreja estava em franca expansão entre os celtas e bárbaros germânicos através das missões dos monges beneditinos que abriam mosteiros e escolas nas zonas habitadas por estes povos a fim de cristianizá-los. A mudança da data contextualiza a ação do Papa dentro destes esforços evangelizadores. 

Logo, o Samhain, É uma festa que remente a celebração celta de cunho agrário ligado ao fim do verão. Na época esse festival assumia caráter sacrifical. Durante o auge da cristandade o Samhain foi semi-esquecido tendo ficado restrito a seitas que praticavam a antiga bruxaria e magia dos povos pagãos, uma religião subterrânea que sobreviveu nos porões da sociedade medieval apesar dos esforços de cristianização da Igreja. Mas a tradição do Samhain foi recuperada na Inglaterra e assumida nos EUA no século 18/19 .Na Inglaterra as leis contra bruxaria foram suspensas em 1736. Essa suspensão mantinha relação com o advento do iluminismo que considerava a crença em bruxas um sinal das "trevas da ignorância" produzida pelo império da religião católica sobre as massas. Desde então, apesar de todo o racionalismo da época, houve um ressurgimento do interesse na bruxaria mas de forma a positivá-la. As bruxas passaram a ser vistas como mulheres incompreendidas e a bruxaria como um fonte de conhecimento ignorada pelas "trevas da religião". Neste contexto se dá a retomada da prática céltica do Samhain. No século 18 esse processo teve como resultado a publicação dos Grimoires - livros populares de magia que tencionavam facultar à população o acesso a esse conhecimento oculto e a cabala. Uma nova visão sobre a bruxaria começava a ser construída nos círculos intelectuais da Europa do século, concepção que acabaria se refletindo na cultura popular do Halloween que só toma força no século 19, período onde existiu uma retomada romântica da bruxaria via ocultismo que tem muita relação com as correntes que revalorizavam os cultos agrários e de fertilidade.

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O livro do historiador Jules Michelet reabilitou a bruxaria


Em 1828 Karl Jarche argumentava que a religião agrária do Samhain e a bruxaria a ela relacionada, eram a antiga religião dos povos bárbaros que a Igreja, falsamente, qualificou de culto ao Diabo. A literatura de Walter Scott, apresentando as bruxas como mulheres perseguidas injustamente, literatura que vai ter amplo alcance popular, terá um papel fulcral para a retomada do Samhain. Franz Mone e Michelet relacionavam a bruxaria à religião do povo, das camadas baixas, oprimidas pelas nobreza e clero católico em suas manifestações sagradas. A bruxaria seria a emergência do espírito democrático dos camponeses medievais contra a opressão da aristocracia feudal, uma religião popular de massas avessa a religião da ordem e da lei (o catolicismo).

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Livro de magia dos Grimoires


Foi justamente este caldo de cultura que foi transportado para os EUA no meado do século 19 dando origem ao "Halloween" moderno. Houve uma grande fome em torno de 1840 na Irlanda levando muitos irlandeses a migrar para os EUA. Por volta de 1870, 30 anos depois dessa migração, já vemos referências à celebração do Samhain nos EUA. Nela várias tradições se misturavam como o uso de maçãs para prever o futuro - algo originado nas práticas de bruxaria medievais - com referências a elementos da vida agrária - a abóbora, o espantalho, etc. Tudo isto porém, está fortemente relacionado ao culto a natureza e aos aspectos noturnos da natureza humana - a tradição de vestir-se de fantasma e do susto, por exemplo. 

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Crowley foi um grande divulgador da bruxaria e ocultismo na Europa e em Nova Iorque, EUA. 

O Samhain é o ano novo pagão que marca o fim das colheitas e o começo dum novo ciclo natural que será iniciado com a morte invernal - não é sem razão que a festa do Halloween faça menção constante a morte e aos mortos; no hemisfério norte, outubro é o mês da queda das folhas e da última colheita, da morte da natureza para ressurgir na próxima primavera.  Os esotéricos do fim do século 19 e início do século 20 - como os seguidores de Aleister Crowley e MacGregor adoravam Pã e Ísis como símbolos da natureza. O Samhaim celta era um culto a natureza. O Halloween é uma retomada deste culto. O caldo de cultura gerado pelo Halloween é, ao mesmo tempo, causa da retomada do paganismo antigo agora sob forma esotérica - no neopaganismo - como efeito de sua restauração no século 19. Não é a toa que Halloween esteja muito presente nos EUA, país fundado pela Maçonaria - que pratica ritos ligados ao culto da mãe natureza - e de forte influência britânica e irlandesa - cabe dizer que a Inglaterra foi o pólo de onde partiu grande parte do movimento wicca moderno, da literatura esotérica vinculada a magia - Crowley, MacGregor, Graves e Gardner, esotéricos ligados a thelema, golden dawn, etc, eram todos ingleses e tiveram seus livros amplamente divulgados nos EUA - e da restauração de cultos de bruxaria em razão de eles estarem vinculados a recuperação da tradição céltica - mais preservada na Inglaterra e Irlanda que em qualquer outro lugar da Europa. Assim devemos enxergar o Halloween como uma expressão popular dessa renascença neopagã que começa no século 19 e como uma festa frontalmente anti-católica. 


Imagem relacionada
Cartão postal em celebração ao Hallowenn, EUA década de 1920. 

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