terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O "Jesus" da direita e o da esquerda: nem um, nem outro!







O Instituto Liberal dando provas de que a direita é tão "honesta" e "objetiva" quanto a esquerda quando se trata de interpretar a figura de Jesus. 

    


    Todos os anos, aproximando-nos das festas natalinas, é de praxe que interpretações exóticas sobre Jesus sejam apresentadas e requentadas. Isso vai desde canais de tv por assinatura, que tentam reler a figura histórica de Jesus como essênio, como iniciado, etc, até pseudo religiões que insistem em vê-lo sob ótica particular e canhestra onde reina a mais absoluta falta de fundamento - Jesus foi um mero médium, um homem evoluído, um profeta que fugiu para o Egito, um extraterrestre, daí para pior. 

    No campo ideológico/político isto também vem se tornando costumeiro. O objetivo é claro: se valer da figura divina do Verbo para alavancar suas teses e propostas partidárias, chancelando-as como condizentes com a visão de Jesus. Em 2017 o panfletário da esquerda psolista/maconheira/ LGBT do RJ, Gregório Duvivier, escreveu um texto blasfemo apresentando Jesus como uma espécie de anarco socialista dedicado a destruir a sociedade da época, a endossar os pecados de prostitutas e ladrões e a condenar a riqueza em si. Todavia, não se enganem: tais panfletagens não são apanágio da esquerda. Em 2016 o jornalista Alexandre Borges - um dos membros do séquito do guru Olavo de Carvalho que representa a neo direita brasileira - tentou apresentar Jesus como um "republicano", ou seja, alguém que endossaria as idéias do Partido Republicano dos EUA e como um defensor do status quo ocidental moderno. O conteúdo das alegações espúrias de Borges - um funcionário da visão sionista/americanista em terras brasileiras - se encontra aqui: https://medium.com/@alexborges/jesus-um-republicano-ba434b2203. 

    O artigo de Borges é um atentado ao bom senso por várias razões. Partindo apenas da figura humana de Jesus seria absurdo, mesmo ficando apenas neste plano, representar um personagem do século 1 como "republicano". Um anacronismo tão crasso deixa evidenciado que Borges, no máximo, poderia escrever histórias em quadrinhos. Para ser um jornalista competente falta-lhe muito. Por outro lado, se nos fixamos na figura divina de Jesus e na sua doutrina, as bobagens do texto de Borges se tornam um verdadeiro circo pseudo teológico. Ao menos Borges admite que a pessoa de Jesus não poderia mesmo ficar livre de leituras ideológicas. O que lhe falta é reconhecer que está falando de si próprio. 

    Segundo o ideólogo travestido de jornalista o decálogo - os dez mandamentos - são compatíveis, apenas com " Uma sociedade com indivíduos que valorizam as tradições, a família, que não matam, roubam, respeitam as leis, não mentem em juízo e nem pensam em ter a mulher ou o patrimônio do próximo é tudo menos uma sociedade onde não se confia em ninguém com mais de 30 anos, como queriam os revolucionários de 68, ou que o direito de propriedade depende exclusivamente da boa vontade do governo. Também não é uma sociedade em que a família natural é trocada sem cerimônia por “toda forma de amor”, ou seja, uma sociedade que segue os mandamentos ditados por Deus é tudo menos uma sociedade socialista. E é por isso que a esquerda mais ideológica odeia de forma tão visceral os cristãos".

    Percebam as sutis falácias de Borges: sociedade de 'indivíduos' - como se Jesus preconizasse a idéia moderna de indivíduo ( Sobre isso cabe dizer que Santo Tomás especifica que o homem, em sua natureza, se qualifica mais como pessoa que como indivíduo, dado que pessoa indica qualidade espiritual; doutro lado o que diferencia os indivíduos é apenas o elemento acidental/material) - respeito às leis - ora, Jesus várias vezes quebrou as leis do sábado, as leis de pureza comendo sem lavar as mãos, recebendo leprosos, prostitutas, etc. 

    Depois Borges continua a dizer que: " Em outra passagem, Jesus diz “não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição.” Se ele não veio abolir a lei mas levá-la a perfeição, ele quer melhorar o que já existe e não reescrever do zero, o que é exatamente o pilar do pensamento conservador: evolução em vez de revolução." 

    Jesus não aboliu o essencial da lei mas aboliu muita coisa caduca, o que prova que ele nem era um revolucionário, buscando colocar tudo por terra, nem um puro e simples conservador como se nada precisasse ser eliminado. Aliás o cristianismo em Roma foi fortemente revolucionário dado que destruiu as bases religiosas em que o poder e a sociedade imperial estavam assentadas. Quem duvidar disso que leia os últimos capítulos do livro de Fustel de Coulanges - A Cidade Antiga - onde o historiador francês prova que o cristianismo transformou, radicalmente, o sistema da urbe mudando seu direito junto com a ordem social e política.

     Borges se vale de uma exegese grotesca para legitimar a obediência absoluta a autoridade política, usando a seguinte passagem do Evangelho: "Quando Pilatos, na conversa pouco antes da condenação, quis saber se Jesus se considerava um rei, Ele responde duas vezes: “meu reino não é desse mundo”. No Pai Nosso, Jesus diz a Deus “vem a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, o que sugere que para transformar a Terra no reino de Deus basta fazer sua vontade. Jesus não pleiteava um reino formal na Terra ou sugeria derrubar governos, tanto que diz a Pilatos: “não terias poder algum sobre mim se de cima não te fora dado”, o que pode ser entendido como uma legitimação divina da autoridade de Pilatos". 

    A alusão do dublê de teólogo se prende a um fito evidente: legitimar a obediência ao status quo ocidental/americanista. É como se ele quisesse dizer: "nada de rebelião contra os EUA". Afinal o que seria os Estados Unidos senão uma versão contemporânea do Império Romano e de seu poder universal? O que é mais irônico é que estes mesmos articulistas de direita não tiveram nenhuma vergonha de dizer isso e, ao mesmo tempo, endossar a rebelião contra os políticos petistas e contra os ex presidentes Lula e Dilma. Nesta hora o respeito a autoridade vira traição a Deus, nesta hora o poder não é de origem divina, etc. Esta mesma direita que exalta a autoridade, elogia a revolução gloriosa de 1688 - que derrubou um rei católico na Inglaterra - e a revolução americana de 1776 - que cortou os laços das treze colônias com a autoridade real inglesa. Esta mesma direita que diz que Jesus mandou respeitar o Estado, quer menos Estado, mais liberdades, menos poder governamental. Esta mesma direita sabe, quando interessa, apelar para o direito de rebelião a fim de dirigir as pessoas contra um governo ou mandatário; quando o que interessa é sustentar quem está no poder, eles lembram das passagens de São Paulo sobre governantes serem ministros de Deus. 

    Para não restarem dúvidas quanto as intenções maliciosas de Borges ele ainda aduz que: "Uma sociedade baseada nos preceitos cristãos não é uma sociedade socialista ou anárquica, muito pelo contrário, ela é ordeira e respeita as leis naturais, a moral, as tradições, a propriedade privada e a família. Uma sociedade como a Ocidental nasce exatamente dessa matriz ideológica, com essa espinha dorsal que convive com o livre arbítrio e a liberdade dentro de um sistema de ordenamento jurídico, social e moral definido, estável e perene. Qualquer outra interpretação é heresia ou simplesmente ignorância".

    Borges se cala quanto a propriedade privada não constituir um direito absoluto (Santo Tomás esclarece que se a propriedade privada é um direito ele não é absoluto; quando alguém faz mau uso dele pode ter este direito tolhido e/ou perdido; neste aspecto o pensamento da Igreja se afasta tanto de socialistas quanto de liberais ou mesmo dos liberais-conservadores que ou negam que ele seja um direito, ou afirmam que ele se trata de direito absoluto) ; tenta passar a imagem de que a "sociedade ocidental" atual é plenamente conforme o direito natural - Os EUA, bastião dessa nova direita, tem a maior indústria pornográfica do mundo, um dos maiores índices de aborto do globo terrestre, a maior cena LGBT do "ocidente", um número escandaloso de divórcios, etc - e que as liberdades americanas - de consciência, de religião, de expressão - são condizentes com a lei divina ( Bem sabemos que todas estas liberdades foram condenadas pelo Papa Leão XIII na encíclica Libertas). 

    A interpretação canalha de um Borges não é o único exemplar das sandices da nova direita americanóide/sionista sobre Jesus: recentemente um judeu sionista - desses que defendem como Olavo e sua trupe, o direito "sacrossanto" de Israel contra qualquer outro povo - deixou claro o que pensa de Jesus: 



    Para o sionista Ibn Yaqub Jesus preconizaria, estivesse por aqui hoje em dia, o genocídio do povo palestino. O que Yaqub faz questão de esconder é que: 

1- O que se retrata, no desenho da família de Jesus sendo parada pela IDF, não é sua condição de palestino mas que Belém está sob ocupação injusta. Até 1948 Belém tinha uma boa percentagem de população cristã. Dos anos cinquenta para cá, a quantidade de cristãos em Belém caiu de trinta por cento para menos de  dez por cento.

2-Jesus era judeu mas não poupou sua nação de críticas. Ele condenou as autoridades do Templo, fulminou fariseus e jamais endossou o messianismo carnal e político que os judeus queriam que ele exercesse. Chamou os judeus de filhos do Diabo e lhes censurou dizendo que não eram mais filhos de Abraão. 

3- Se Jesus mandaria os apóstolos tocarem fogo nas plantações palestinas hoje, por que na época não incentivou uma luta armada contra Roma? 

4-Jesus jamais poderia ser um sionista pois o sionismo considera o estado de Israel o Messias do povo. Ora, Jesus considerava que ele era o Messias. Mesmo os judeus ortodoxos rejeitam a idéia sionista de um estado humano atuando como Messias. 

    É verdade que Borges não chega ao mesmo ponto que Yaqub mas não se iludam: a forma de pensar é a mesma ( Basta conferir o que Borges diz no começo de seu artigo quando fala de "tradição judaico-cristã").  

    No fundo, nem esquerda nem direita, estão ocupadas em entender a figura de Cristo mas sim em usá-la para seus fins políticos. A indignação que apresentam - sobretudo a direita - quanto a exegeses ideológicas de Jesus, não passa de mero oportunismo a fim de capturar idiotas úteis para sua causa - tão ideológica quanto a do adversário. 


Professor Rafael G. Queiroz





    




    
 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O mistério do Natal: Por que foi o Filho que se fez homem e não o Pai ou o Espírito Santo?

Por que foi o Filho que se fez homem e não o Pai ou o Espírito Santo?








Chegados ao Natal celebramos, por mais um ano, o nascimento do Verbo de Deus entre nós. “Um salvador nasceu para vós em Belém que é Cristo Senhor”, é o anúncio da legião angélica. O significado disto é imenso mas tem passado ao longe das preocupações de uma sociedade cada mais materialista e pouco preocupada com o sentido profundo do nascimento de Nosso Senhor

Aquele que nasceu em Belém não foi um mero sábio, profeta ou médium – como querem algumas falsas doutrinas – mas Deus mesmo. Esta é a boa nova: Ele veio nos visitar tomando a forma de uma criança. Esta é a doutrina basilar do Natal: Deus se fez homem em Cristo. Compenetremo-nos desta verdade e veremos como ela é altíssima e sobrenaturalíssima na medida em que indica que O ETERNO não está longe de nós mas se fez igual a nós – exceto no pecado.

Sobre tal verdade meditemos primeiro que, aqueles que receberam Jesus no estábulo, não foram os cidadãos de destaque, a elite social ou intelectual, os ricos da nação de Israel da época, tampouco as autoridades políticas judaicas ou romanas, o que significa que Jesus não veio conforme os padrões do reino deste século. Em segundo lugar meditemos que o menino e sua mãe não encontraram lugar nas pousadas da cidade mas encontraram acolhida junto aos animais - a criação rende louvar a seu Deus - e aos simples pastores, símbolo dos pobres do Pai, dos humildes, daqueles que tem o espírito aberto ao Verbo Eterno e que, longe da corrupção do mundo buscam o Pai no silêncio, na oração e na humildade. Em terceiro lugar meditemos que ele nasce longe da cidade - que estava corroída por impiedade e ambição desmedida - e é acolhido e adorado pelos reis magos, príncipes sábios do Oriente que vendo a estrela reconheceram ali o verdadeiro Deus; sendo reis adoraram o verdadeiro regente do cosmos: os reis da terra adoram o rei dó céu. Trouxeram-no mirra, ouro e incenso por que Cristo é o homem das dores, é rei e é Deus. Mirra para preparar seu corpo para a sepultura depois da sua paixão e morte; ouro para sua coroa régia como soberano do Universo; incenso como sinal de adoração ao Filho do Pai, igual ao Pai, consubstancial a Deus.

Perante tal realidade mística a razão, iluminada desde o alto pela fé, pergunta-se: Por que foi o Filho que encarnou e não o Pai ou o Espírito Santo? Por que convinha mais ao Filho a encarnação que às outras pessoas da Trindade? O Doutor Angélico é quem nos responde na Suma Teológica em seu tomo 15, questão 3, artigo oitavo.

Como de Costume Santo Tomás elenca as objeções à conveniência da encarnação do Filho, que ele reduz às seguintes:

1- Cristo veio ao mundo para dar aos homens o verdadeiro conhecimento de Deus o que, segundo alguns, conviria mais ao Pai dado que há aqueles que não distinguem, no Filho, a mesma natureza do Pai, fixando-se só em sua natureza humana. Ainda segundo estes, seria mais conveniente que o Pai tivesse encarnado pois isso teria evitado a heresia de Ário que, baseando-se num entendimento errado da frase de Cristo: “ o Pai é maior que eu”( quanto a sua natureza humana), negou sua divindade. Para evitar tal escolho parece que teria sido melhor o Pai se encarnar e não o Filho.

2- O efeito da encarnação é a “recriação”, pela graça, da natureza do homem. Ora, o ofício de criar é mais do Pai que do Filho; logo, seria mais condizente a encarnação do Pai que do Filho.

3-A encarnação se ordena à remissão dos pecados: “Seu nome será Jesus, o salvador; pois ele salvará o povo de seus pecados” (Mateus 1, 21). A escritura atesta que a remissão dos pecados é atribuída ao Espírito Santo ( João 20,22). Sendo assim convinha mais a encarnação do Espírito Santo que a do Filho.


Em resposta a tais argumentos Tomás diz que:

Contra isto diz São João Damasceno que “a encarnação manifestou a sabedoria e virtude de Deus; a sabedoria pois nos foi revelado o segredo de como pagar uma dívida difícil; a virtude pois, o que foi vencido, se fez novamente vencedor”.

Em resposta a objeção 1, o Doutor Angélico nos diz que era mais conveniente o Filho encarnar pois mais semelhante a nós já que ele é o conceito – Verbo – de toda a criação. O Pai criou olhando o Filho e modelou as coisas conforme a imagem d'Ele; cada criatura foi feita com base em uma perfeição que o Pai viu no Filho. Como toda a criatura existe como reflexo do Cristo convinha que nossa natureza fosse remodelada – depois do pecado – pelo seu modelo eterno, perfeito e imutável: Jesus Cristo. Assim, o Verbo é a sabedoria eterna, base e fundamento de todo verdadeiro saber humano. O homem se aperfeiçoa na sabedoria pois é alma racional, desde que participe da vida do Filho. 

Em resposta a objeção 2, Tomás explica que convinha mais ao Filho que ao Pai a encarnação pois nos tornamos predestinados a vida eterna como herdeiros do Pai e, para sermos herdeiros, temos que ser filhos e, para sermos filhos, temos que ser irmãos de Jesus, o filho natural de Deus. Por ele somos adotados pelo Pai. Em Romanos 8, 29 São Paulo deixa claro que fomos recriados conforme a Imagem Perfeita de Jesus por sermos filhos adotivos.

Em resposta a objeção 3 ele nos explica que convinha mais a Jesus – que é a Sabedoria do Pai – encarnar-se que ao Espírito Santo, pois ele veio para remediar o pecado que fora resultado do desejo desordenado pela ciência. O desejo incontido do homem de conhecer o bem e o mal, além dos limites impostos por Deus, precisava ser curado pela Verdadeira Sabedoria: Cristo que é a ciência do Pai veio ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento, no lugar do falso ensinada pelo Diabo a Adão e Eva e seus descendentes.

Que neste natal Cristo, o Verbo, nos faça conhecer o Pai.




Professor Rafael G. de Queiroz.