sábado, 8 de junho de 2013

Por que o homem ama o pecado e o absurdo ??

Cortes , filósofo do conservadorismo católico.
O espírito humano tem fome de absurdo e de pecado (Donoso Cortés)
 
(Donoso Cortez - "Obras Completas: Ensaio sobre o Catolicismo" - B.A.C., Madrid, 1946, Tomo 2, p. 377)

Não foi pela beleza de sua doutrina que Nosso Senhor venceu o mundo. Se Ele não fosse senão um homem de belas doutrinas, o mundo O teria admirado por um momento, e pouco depois teria esquecido não só a doutrina, como também o homem. No início, essa doutrina tão admirável foi seguida apenas por gente do povo; os mais distintos dentre os judeus a desprezavam, e durante a vida do Mestre o gênero humano O ignorou.

Não foi por seus milagres que Nosso Senhor Jesus Cristo venceu o mundo. Entre os homens que deram testemunho d’Ele, que com seus próprios olhos O haviam visto transformar as coisas, e lhes mudar a natureza por sua mera vontade, andar sobre as águas, acalmar o mar, amainar os ventos, exercer seu império sobre a vida e sobre a morte, alguns O chamaram Deus, outros demônio, outros, enfim, prestidigitador e mágico.

Não foi porque se cumpriram em sua pessoa as antigas profecias, que Nosso Senhor Jesus Cristo venceu o mundo. A sinagoga, depositária delas, não se converteu; não se converteram os doutores que as conheciam, nem se converteram as multidões, a quem os doutores as tinham ensinado.

Não foi pela verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo venceu o mundo. A verdade que o Cristianismo encerra, quanto ao fundo e à essência, estava no Antigo Testamento como está no Novo, porque a verdade não muda: ela é sempre una, eterna, idêntica a si mesma; eternamente presente no seio de Deus, ela foi revelada ao homem, comunicada a seu espírito e depositada na História no próprio momento em que soou no mundo a primeira palavra divina. No entanto, o Antigo Testamento, no que ele tinha de eterno e de essencial, como no que ele tinha de acessório, de local e de contingente, nos seus dogmas como nos seus ritos, permaneceu como apanágio do povo eleito, e jamais transpôs o seu âmbito.

Este mesmo povo deu muitas vezes o espetáculo de grandes prevaricações e de grandes revoltas; nós o vimos perseguir seus profetas, estrangular seus doutores, seguir a trilha dos gentios até a idolatria, fazer pactos abomináveis com os espíritos infernais, entregar-se de corpo e alma a sangrentas e horríveis superstições; e, enfim, no dia em que teve diante de si a Verdade Encarnada, negá-La, maldizê-La e crucificá-La no Calvário.

Naquele momento preciso, quando a Verdade contida nos antigos símbolos, representada pelas antigas figuras, anunciada pelos antigos profetas, atestada pelos prodígios mais assustadores, pelos milagres mais espantosos, era cravada na cruz, estando Ela pessoalmente na Terra, a dar por sua presença a razão mesma de todos esses milagres, de todos esses prodígios, a cumprir todas as palavras proféticas, a mostrar a realidade oculta sob um véu de figuras e de símbolos; naquele momento preciso o erro reinava sobre o mundo, e o havia invadido e coberto todo inteiro com suas sombras, livremente, como que sem obstáculos, com uma rapidez prodigiosa e sem socorro algum de símbolos ou de figuras, de profecias ou de milagres. Terrível lição, memorável ensinamento para aqueles que crêem na força de expansão inerente à verdade e na radical impotência do erro para se estabelecer nesta Terra por sua própria força.

Se Nosso Senhor Jesus Cristo venceu o mundo, Ele o venceu apesar de ser a Verdade, apesar de ser Aquele que os profetas, os símbolos e as figuras anunciaram; Ele o venceu apesar de seus milagres prodigiosos e da incomparável beleza de sua doutrina. Qualquer outra doutrina que não fosse a do Evangelho seria impotente para triunfar com um tal aparato de testemunhos irrecusáveis, de provas irrefutáveis e de argumentos invencíveis. Se o maometanismo conseguiu se propagar como um dilúvio em tantas regiões, na África, na Ásia, na Europa, é porque ele avançava sem todo esse fardo, e porque levava na ponta da sua espada todos os seus milagres, todos os seus argumentos e todos os seus testemunhos.

O homem prevaricador e decaído não é feito para a verdade; nem é a verdade feita para o homem neste estado de prevaricação e de queda. Entre a verdade e a razão humana, desde a prevaricação do homem, Deus colocou uma imperecível repugnância e uma invencível repulsa. A verdade tem em si mesma os títulos de sua soberania, e impõe seu jogo sem pedir permissão; ora, o homem, desde que se revoltou contra Deus, não reconhece senão sua própria soberania, e não quer admitir qualquer outra a não ser que ela solicite previamente seu sufrágio e seu consentimento. Eis porque, quando a verdade se lhe apresenta, seu primeiro movimento é negá-la; negando-a, ele afirma sua soberana independência. Se negá-la lhe é impossível, ele entra em luta com ela; combatendo-a, ele combate por sua soberania. Vencedor, ele a crucifica; vencido, ele foge; fugindo, ele imagina escapar de sua servidão; crucificando-a, ele acredita crucificar seu tirano.

Ao contrário, entre a razão humana e o absurdo existe uma afinidade secreta e um estreito parentesco. O pecado os uniu pelo vínculo de um indissolúvel desponsório. O absurdo triunfa no homem precisamente porque é destituído de qualquer direito anterior e superior à razão humana. Não tendo direitos a alegar, não pode ter pretensões, e eis por que o homem, em seu orgulho, não encontra nenhum motivo para o repudiar. Longe disso, o orgulho o leva a acolhê-lo; o absurdo, sua vontade o aceita, porque é engendrado por sua própria inteligência, a qual, por sua vez, se compraz nele, isto é, no seu próprio filho, no seu próprio verbo, testemunho vivo de seu poder criador. Criar é próprio da Divindade; criando o absurdo, o homem como que se torna Deus, e confere a si mesmo honras divinas. Contanto que ele seja Deus, que ele aja como Deus, que lhe importa o resto? Que importa a existência de um Deus da Verdade, se ele é, ele próprio, o Deus do absurdo? Não será ele, desde então, independente como Deus? Soberano como Deus? Adorando a obra de sua criação, glorificando-a, é a si mesmo que ele glorifica e adora.

Quem aspira subjugar os homens, dominar as nações, exercer algum império sobre a raça humana, não se anuncie como arauto de verdades manifestas e evidentes; e sobretudo quem possuir provas certas e inconcussas, abstenha-se de mostrá-las; jamais o mundo os reconheceria como mestres. A limpidez da evidência, longe de o persuadir, o revolta; é um jugo que ele não quer suportar. Há um caminho melhor: anunciar que se tem um argumento que põe por terra tal ou tal verdade matemática, pelo qual se demonstra que dois e dois não é igual a quatro, mas a cinco; que Deus não existe ou que o homem é Deus; que o mundo até agora viveu sob o império das mais vergonhosas superstições; que a sabedoria dos séculos não passa de mera ignorância; que toda revelação é uma impostura; que todo governo é uma tirania e toda obediência uma servidão; que o belo é feio, e o feio é a suprema beleza; que o mal é o bem, e o bem é o mal; que o demônio é Deus, e Deus o demônio; que depois desta vida não existe Céu nem inferno; que o mundo em que vivemos sempre foi e continua a ser um inferno verdadeiro, mas que o homem pode transformá-lo e o transformará, dentro em breve, num verdadeiro paraíso; que a liberdade, a igualdade e a fraternidade são dogmas incompatíveis com a superstição cristã; que o roubo é um direito imprescritível, e a propriedade é um roubo; que só existe ordem na "an-arquia", e que a verdadeira anarquia é a ordem, etc.

Prometei implantar essas contraverdades ou outras que tais, e podereis estar certos de que com esta simples promessa o mundo, tomado de admiração, fascinado por vossa ciência e penetrado de respeito por vossa sabedoria, prestará a vossas palavras ouvidos atentos.

Ide então mais longe. Tendo dado sobejas provas de bom senso ao anunciar a demonstração destas belas coisas, mostrai que desse bom senso ainda vos resta muito, abstendo-vos sempre de toda e qualquer demonstração. Como única prova de vossas afirmações e blasfêmias, repeti essas mesmas afirmações e essas mesmas blasfêmias; o mundo, não duvideis, vos levará às nuvens. Se quiserdes atingir o máximo nesta arte e tornar vosso triunfo ainda mais brilhante, fazei alardear a sinceridade que vos caracteriza, a qual vai ao ponto de apresentar a verdade nua, sem este aparelho vão de provas e argumentos, de testemunhos históricos, de prodígios e de milagres, pelo qual ordinariamente se procura enganar os homens. Nada persuadirá melhor do que vossa fé, que repousa apenas no poderio da "verdade", e de que não contais senão com ela mesma para garantir seu triunfo. Isto feito, apontai tudo aquilo que não seja vós, perguntai onde estão e quais são os vossos inimigos, e o mundo, de uma só voz, admirará e celebrará vossa magnanimidade, vossa grandeza e o brilho de vossos triunfos; ele vos proclamará digno de todo o respeito e de toda a felicidade; enfim, ele vos glorificará.

Eu não sei se existe sob o sol algo de mais vil e de mais desprezível do que o gênero humano fora das veredas católicas.

No mais fundo deste abismo, nos extremos da degradação e do aviltamento, estão as multidões desviadas pelos artífices da impiedade e curvadas sob o jugo de mestres opressores; vêm em seguida os falsos doutores que as seduziram. Examinando bem os fatos, o tirano é ainda menos degradado, menos vil, menos desprezível do que esses sofistas e essas multidões, que vão para onde ele as impele aos golpes de seu chicote sangrento; pois é em proveito da tirania que o erro trabalha, e ele conduziu sempre os povos à servidão. Os primeiros idólatras só escaparam da mão de Deus para cair nas mãos dos tiranos de Babilônia.

O paganismo antigo não fez outra coisa senão rolar de abismo em abismo, de sofista em sofista, de tirano em tirano, e para se tornar, enfim, escravo de Calígula, monstro de formas humanas, horrível, imundo, juntando aos paroxismos da loucura os apetites da besta. Quanto ao paganismo moderno, ele começou por se adorar a si mesmo na pessoa de uma prostituta, e acabou por se prostrar aos pés de Marat, o tirano cínico e sanguinário, aos pés de Robespierre, a encarnação suprema da vaidade humana e de todos os seus instintos ferozes e inexoráveis. Eis que surge um novo paganismo; ele cairá num abismo ainda mais profundo e mais obscuro; e é possível que já agora, nas cloacas onde jaz a borra da sociedade, esteja em germinação o monstro que lhe curvará a fronte; imporá sobre ele um jugo superior a tudo o que no passado se viu, quanto ao peso e à ignomínia.

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